1.3.06

"Onde é que isto vai parar?"

Porque é que nas notícias os advogados, os empresários e os políticos são jovens até aos 35-40, as vítimas de acidentes rodoviários até aos 26-30 e os traficantes de droga e assaltantes a bombas de gasolina já são homens (é que nem rapazes) a partir dos 19?

Se é uma questão de inocência, aposto que há traficantes de droga bem mais impolutos que muitos futuros políticos aos 18 anos. Os últimos, pelo que vejo de dirigentes de associações de estudantes, despojaram-se já de ideais e vendem com cinismo a alma e as convicções pela obtenção futura de um lugar privilegiado. Estranha sorte a nossa, que vemos esta mole de gente sem espinha ou competências a arrastar-se pela mediocridade do ensino até à licenciatura aos 28 anos e um lugar garantido num gabinete ou numa embaixada.

Se calhar já era de ter algo como as Grandes Écoles. Sim, é elitista, mas prefiro ser governado por alguém com competência do que por pessoas que não apresentam mais que boa vontade (nas raras vezes em que o fazem). Não é amor por títulos ou a glorificação do conceito foleiro do senhor doutor; é de facto necessário formar quem vai mandar em nós. Claro que um sistema como as Grandes Écoles favorece cumplicidades e promiscuidades futuras entre os líderes que se fazem lá amigos, mas não poderia ser pior que a situação actual.

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro \me, acho a tua reflexão excelente. Como tenho mais amigos professores na École normal supérieur do que na política portuguesa, torna-se difícil comentar a tua "bloguice". Julgo que à partida nos íriamos enfrentar com um problema enorme, onde vamos arranjar tanta medalha Filed e alguns prémios Nobel para ensinar os alunos portugueses candidatos a futuros ministros?

Depois é preciso um edíficio bonito e acho que o estado está mais para os vender do que para os recuperar.

Tivemos alguns dirigentes políticos com um excelente CV e mesmo esses vamos gozando mal podemos, é só relembrar o caso do Guterres (que julgo se ter formado no IST com uma média excelente) e mal se engana numa conta digna de qualquer meceeiro de bairro logo a opinião pública incapaz de multiplicar números com mais de 2 digitos lhe cai em cima... Não estou a defender ninguém... Mas o teu comentário relembrou-me esse episódio...

AR

/me disse...

Eu nunca fui o maior adepto do Guterres, mas foi ridículo o que lhe fizeram. E injusto, se comparado com a facilidade com que perdoaram agora os maiores disparates ao Soares. Felizmente, duvido que isso lhe tenha custado votos. Espero que não.

Não acho muito grave termos professores com um currículo mais modesto. Há que começar por algum lado. Acho que conseguiríamos arranjar bons professores em Portugal e os outros, importavam-se. Talvez se conseguisse construir pelo menos uma boa escola, não?

Anónimo disse...

Em Portugal, pelo menos na área em que trabalho, temos de facto, excelentes professores e investigadores (em Matemática, por exemplo, o caso do Jorge Almeida em Semigrupos). Mas o nível dessas escolas (no caso, a de Paris), na minha opinião, passa também pelo prestigio conseguido pela aquisição de certos prémios (repara no caso de Princeton ou Cambridge que usam esses prémios como propaganda). Foram raros os casos em que conseguimos importar a nossa própria massa crítica espalhada por aí (o caso do Quintanilha na Biologia).

Isto seria uma discussão muito longa... Repara que a importação de professores só me parece possível quando se podem apresentar propostas salariais de nível, pelo menos, competitivo com o europeu. Julgo que a curto médio prazo o nosso ensino vai passar por reformas a este nível. Só não tenho é a certeza que as pessoas que ocupam essas cadeiras de que falavas escolherão as nossas melhores faculdades. Se porventura já hoje não o fazem...

Não é trivial.

AR

/me disse...

De facto a discussão seria longa. :)

Eu penso que faria sentido fazer um esforço, mesmo que financeiro, para podermos formar melhor as elites que, quer queiramos quer não, existirão sempre.

Mas é claro para mim que esta medida em si não resolveria muito. É todo o sistema de ensino que está em causa. Em particular, acho que a noção de que temos de ser todos iguais é um erro crasso. Se fosse ministro, decretava que todos os portugueses, desde o nascimento, devem ser tratados por "sôtor", a ver se lhes passa a mania. :D Depois disso, talvez passe a levar-se a sério o ensino técnico e especializado.

Bom, já agora aproveito para partilhar outras ideias que tenho quanto ao ensino:

- tem de se confiar nos professores. Reduzi-los a funcionários públicos no sentido prejorativo do termo é mau. São pessoas, na sua maioria, licenciadas. Mesmo que algumas não sejam, deve-se dar liberdade aos outros. Isto significa, por exemplo, que o professor deve poder chumbar alunos ou dar a nota que bem entender. Apenas por rara excepção se poderá pôr isso em causa. A regra deve ser que o professor é soberano.

- tem de se controlar a qualidade dos professores, nomeadamente a nível científico. A nível pedagógico também, mas de nada serve saber ensinar se não se conhecem as matérias em profundidade.

- quem não tem capacidades para ensinar tem de sair. Sim, é duro, sim é economicamente mau. Mas as gerações futuras merecem.

- tem de se exigir. Tem de haver exames. Quem não souber, tem de ser retido.

- é muito bom que os alunos ganhem cultura geral, mas antes disso está adquirirem conteúdos. Mais vale a pena entenderem a fundo os Lusíadas do que lerem 1000 artigos de jornais.

- deve-se confiar na inteligência dos professores e dos alunos. Dos últimos, os que não acompanharem devem ser ajudados e mais tarde orientados para áreas para as quais tenham mais jeito.

- já não basta começar aos 6 anos. As crianças têm de estar socializadas antes, e com a vida moderna muitas não estão. O ensino pré-primário não é um luxo, mas uma necessidade.

- etc., etc., etc.

(um amigo diz-me que estou desactualizado, que o sistema finlandês é melhor. Eu não conheço a fundo os sistemas dos outros, confesso. Mas do que sei sobre o finlandês, os professores têm todos de mestrado para cima. Não pode ser implementado em Portugal. Seria como aquela ideia peregrina de modernizar África facilitando o acesso à internet)

Anónimo disse...

Caríissimo /me:

Eu agora não tenho mesmo tempo ( estou aqui de fugida ), mas acredita-me: as ideias que apresentas - e com a TOTALIDADE das quais eu concordo - se, como ministro ou coisa parecida, as tentasses pôr em práctica, levar-te-iam à defenestração do andar mais alto da 5 de Outubro.

E todos, mas mesmo todos, políticos, professores, alunos, papás, participariam alegremente na defenestração.

Um abraço,
Zé Ribeiro.

/me disse...

Será, Zé? Repara que o Sócrates pode fazer coisas que o Santana nem podia pensar sem que lhe dessem cabo do canastro. Acho que tudo depende da forma de lidar com a comunicação social e dos interesses em jogo.

Muito provavelmente, será uma reforma difícil de fazer. Mas menos difícil que necessária.

/me disse...

Tia, os meus textos são sempre um bocado estranhos, com mudanças súbitas de "direcção" sem explicação aparente (ou real).
Mas não, não estou com crise de identidade. ;)