31.1.06

30.1.06

Orelhas ao léu

Enquanto em Portugal neva e faz frio, aqui passou-se de um défice de temperatura na ordem dos 7 graus (negativos) para um superavit de 2. Em termos práticos, isso significa que posso andar com as orelhas destapadas sem correr o risco de sofrer de gangrena.

O pior é esta tosse que não me deixa. Parece querer-me sair a garganta, de tal modo que evito tossir até ao limite do meu auto-controlo, o que resulta numa sensação quasi-orgásmica quando finalmente cedo à "expiração súbita, convulsa e mais ou menos frequente, pela qual o ar, atravessando os brônquios e a traqueia, produz ruído especial*".



Não fosse isso, tudo iria bem pelos reinos de Sua Majestade a Rainha Beatriz. O trabalho, muito, parece encaminhar-se no rumo certo e descobri onde comprar uma sandes de ovo e atum que me permite evitar as terríveis cantinas holandesas.

Não tem nada a ver, mas disse-me um amigo que não gosta de Coimbra. Se não tivesse ouvido o mesmo já de tantos outros portugueses (os estrangeiros, curiosamente, adoram), até me preocuparia. Mas é assim, a Lusa Atenas, austera como a descreveu Clara Ferreira Alves, se a memória não me trocou a palavra dela por outra equivalente. Coimbra é uma mãe que conquista pelo respeito e dignidade, não pela proximidade carinhosa. Os séculos ficaram presos nas ruelas da cidade, que mantém um regime de maternidade há muito perdido no tempo, mas que curiosamente funciona para os que nela vivem. Sinais de uma vertigem de um excesso de identidade, que gera pertença mas também prende em demasia.




Foi Eduardo Lourenço quem pôs o dedo na ferida? Portugal não tem falta de identidade, tem é excesso de identidade. E isso só pode resultar em amor-ódio, numa relação pouco saudável. Não é um acaso serem mais felizes os que mantêm com o País uma relação mais superficial: a certa altura, todos temos de conseguir cortar com os excessos das mães galinhas, mesmo quando uma destas é a nossa Pátria. Não é amar menos, é saber amar.

E pronto, volto ao trabalho e à tosse. Um bom dia a todos vós.

* À falta de melhor forma para terminar a frase, fui à procura de um sinónimo para "tosse" aqui. Não encontrei melhor que isto.

29.1.06

Casamento III

Quem me conhece sabe que tenho horror a colocar o nome seja onde for. Valorizo-o demais para o emprestar a outros ou a uma qualquer causa, e sou paranóico bem para além do qb.

Porém, conforme já escrevi, penso: a muitos níveis (nem tanto ao nível da lei) os homossexuais de hoje são os pretos e os judeus de ontem. É uma comparação exagerada, dirão muitos. Não acho. Os judeus da idade média eram tolerados, como agora são os homossexuais. A homofobia é uma realidade muito concreta - conheço, directa ou por ouvir contar, de histórias de não poucos jovens expulsos de casa dos pais por terem namorado/a do sexo "errado". Negar a existência da mesma, ou atribuí-la ao exibicionismo chocante de terceiros é injusto.

Contra todas as minhas paranóias, vou assinar a petição que referi no texto anterior. Quero estar do lado certo da história, e quero morrer sabendo que não me remeti ao comodismo enquanto outros sofriam.

Não gosto de "orgulho gay", manifestações histéricas, exaltação de um qualquer "estilo de vida", o que quer que isso queira dizer. Não alinho nessas cowboyadas. Mas nesta questão tão concreta, tão séria e tão bem colocada, não tenho o direito a assobiar para o lado. É a cidadania de que tantos falam.

É apenas uma assinatura, dirão. Não, não é. A história ensina-nos que os períodos tolerantes para com a homossexualidade têm sido intercalados por perseguições. É cíclico. Direitos adquiridos é coisa que não há. Não se trata de paranóia (só um bocadinho), mas de consciência da História. Porém, talvez eu possa ajudar para que desta seja de vez. Um contributo diminuto, é certo, mas aquele a que me obriga a consciência.

Casamento II

Em simultâneo com a iniciativa referida no último post, é promovida uma PETIÇÃO PELA IGUALDADE NO ACESSO AO CASAMENTO CIVIL - ver aqui:

Ainda tem dúvidas sobre o carácter discriminatório desta violação da Constituição?

Em Portugal, o Artigo 36º da Constituição refere que "Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade." Mais: A Constituição da República Portuguesa proíbe explicitamente, desde 2004, a discriminação com base na orientação sexual (Artigo 13º). No entanto, o casamento civil continua a existir exclusivamente para casais constituídos por pessoas de sexos diferentes, numa clara violação da Constituição – que é a nossa Lei Fundamental. Isso significa que há muitos direitos associados ao casamento civil aos quais gays e lésbicas não têm acesso: do registo às heranças, passando pelos regimes de propriedade até aos inúmeros aspectos da vida quotidiana em que o estado civil é relevante.

Os deveres fundamentais do casamento civil estão claros na lei portuguesa: assistência (alimentos e contribuição para os encargos da vida familiar), fidelidade, respeito, cooperação, coabitação. No entanto, embora muitos casais de gays e de lésbicas já cumpram estes deveres, há vários exemplos do conjunto de direitos e deveres que diferenciam o casamento civil da união de facto:

Registo — não existe a possibilidade de registo da União de Facto e a lei não especifica os mecanismos pelos quais se faz prova de viver em união de facto;
Heranças — as pessoas que vivem em união de facto não são herdeiras uma da outra; cada uma pode fazer testamento a favor da outra, mas esse testamento apenas permitirá especificar o destino de parte do património (não havendo cônjuge, existe uma quota indisponível que se destina necessariamente a descendentes e ascendentes);
Adopção — o direito à adopção continua consignado apenas para as uniões de facto entre pessoas de sexo diferente;
Dívidas — são da responsabilidade exclusiva da pessoa que as contrair, mesmo se contraídas em benefício do casal, pois não existe património comum;
Direito ao nome — não há possibilidade de escolha da adopção de um apelido d@unid@de facto;
Regime patrimonial — ao contrário do casamento civil, a união de facto não permite a escolha de um regime de comunhão de bens ou comunhão de adquiridos.

Um casal heterossexual pode, considerando os conjuntos de direitos e deveres inerentes, optar pelo casamento civil ou pela união de facto — duas figuras jurídicas que têm, como se viu, diferentes implicações embora sejam baseadas num mesmo modelo de conjugalidade.

Um casal de gays ou de lésbicas tem apenas acesso à união de facto. Esta discriminação é real e afecta as vidas de muitos casais de gays ou de lésbicas.
É por isso que, a par dos E.U.A. e do Canadá, vários países da Europa têm vindo a alargar o casamento civil a casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. A Bélgica veio juntar-se à Holanda, seguindo-se agora a Espanha.

Também em Portugal, o facto de se atribuir o mesmo reconhecimento legal a casais de pessoas do mesmo sexo não terá qualquer implicação sobre a liberdade de outr@s. Casais heterossexuais continuarão a ter exactamente a mesma liberdade de escolha. Nesta questão, liberdade e igualdade são, afinal, perfeitamente compatíveis.
No entanto, há vozes discordantes em relação ao reconhecimento dos casais de pessoas do mesmo sexo:
• Fala-se na impossibilidade de ter filhos em conjunto, quando nem o casamento civil pressupõe a reprodução nem a reprodução pressupõe o casamento (o casamento civil é obviamente possível para pessoas estéreis ou para pessoas para além da idade reprodutiva).
• Mistura-se casamento civil e adopção, quando a adopção é uma outra questão regulada, aliás, por uma lei específica.
• Na falta de argumentos racionais, tenta-se ainda uma "táctica do susto" falando nas ameaças da poligamia e do incesto, quando não há qualquer reivindicação social nesse sentido e quando, sobretudo, não existe qualquer relação lógica entre essas questões e o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.
Fala-se portanto de cor, tentando de todas as formas dissimular a questão essencial: essas vozes reproduzem apenas um preconceito associado ao fundamentalismo religioso, vindo de pessoas que lidam mal com a igualdade e precisam de continuar a ver gays e lésbicas como cidadãos de segunda. Curiosamente, são também essas pessoas que, em geral, desvalorizam completamente o casamento civil face ao religioso, perdendo toda a legitimidade para se intitularem "protectores" do casamento civil.

O fim da exclusão dos casais de gays ou de lésbicas no acesso ao casamento civil promoverá simultaneamente a liberdade e a igualdade. Qualquer objecção a esta medida terá por isso uma única fonte: a homofobia. Enquanto o casamento civil não for alargado aos casais de pessoas do mesmo sexo, é o Estado que endossa e glorifica na lei essa mesma homofobia e é o próprio Estado que classifica as nossas relações de indignas e é o próprio Estado que nos insulta.

Assim, é fundamental e urgente que o Governo português compreenda que o casamento não pode ser um privilégio de casais heterossexuais e tome medidas concretas no sentido de garantir que casais de gays ou de lésbicas, que se amam e que se comprometeram a partilhar de forma plena as suas vidas, possam ver esse amor e esse compromisso igualmente reconhecidos e valorizados pela sociedade que integram.

28.1.06

Casamento

Um casal de lésbicas vai exigir que o Estado as case. Ver mais aqui.

Acho bem. É uma questão de dignidade. Chega de discriminação.

Em contra, apenas consigo vislumbrar um argumento: o de que um casal homossexual não tem a mesma função social que um heterossexual, ou seja, não pode gerar filhos (com os métodos usuais, pelo menos). Mas também, que eu veja, ninguém está a pedir abono de família para filhos inexistentes.

Alguém encontra uma razão, no domínio da ética, já que a moral não pertence ao Estado, para negar o casamento homossexual?

Cabala

Às vezes juraria que há um complot combinado entre os meus amigos para me obrigar a ser feliz. Se me queixo, vem logo um "não te podes sentir assim", um "vá, já chega, anima-te e vai fazer qualquer coisa" ou um "não te queixes, tens tudo para te sentir feliz".

Ou sou eu que sou muito trágico quando digo que não estou muito bem, ou os meus amigos já se fartam quando estou em baixo, ou então as pessoas esquecem-se de que estar triste é um sentimento como outro qualquer. É um dos estados naturais da vida. Não tem sempre de se estar feliz, nem a vida foi feita para isso.

Naturalmente que prefiro estar bem, estar contente, e normalmente até o estou. Encaro a vida com optimismo, mas para mim nada mais importa do que estar de consciência tranquila. É esse último valor, essa tranquilidade, que eu mais valorizo. A felicidade é importante, mas é quando muito um corolário possível das escolhas que faço. Depende bastante das circunstâncias. Eu faço o máximo, actuando dentro do meu quadro de valores, para ser feliz, mas isso é tudo que me podem pedir.

Acho que até tenho feito um bom trabalho, mas pronto, às vezes lá vem um outro momento de tristeza. Nessas alturas, recorro bastante aos amigos, é verdade, pois tenho a sorte de os ter em quantidade mas acima de tudo em qualidade. Eu não me deixo afundar nesses momentos, mas tão pouco os reprimo. Uma das lições mais duras que aprendi é que os sentimentos são para ser sentidos. Podemos mitigá-los e tentar mudá-los, mas é perigosíssimo reprimi-los.

27.1.06

I'll be back



Tenho andado arredado do blog. Excesso de trabalho, cansaço mas acima de tudo falta de capacidade de escrever. Estou com um "bloqueamento na escrita. O que quero dizer é que há um que quer escrever e não consegue, rói o lápis ou a caneta, fita a folha de papel, a folha de papel olha-o e espera e não se conseguem encontrar um ao outro. Um bloqueio na escrita pode exprimir-se também de outra forma. Um texto é produzido mas este é superficial e de qualquer forma vazio dando ao seu escritor uma sensação insatisfeita. *"

Porém, I'll be back! Acho eu...

* citação retirada daqui

23.1.06

A mais lusa história de amor



No dia da ressurreição dos corpos, ao levantar-se, voltará a ver a sua rainha. Tamanha ânsia jaz adormecida em tão adornado sepulcro.

22.1.06

Pérolas a porcos

Farto da dieta de cereais e frutas a que uma crise de vesícula me obrigou, num estado de ansiedade apenas explicável por fraqueza do corpo, peguei numas fotocópias do livro que estou a estudar e fui consolar misérias.

Sendo domingo, tive de percorrer meia cidade até encontrar algum restaurante aberto. A sorte é que ia jantar, pois almoço para estas gentes não passa de pão, sendo assim difícil encontrar algo mais substancial que Donner Kebab para comer.

Acabei por abancar num local onde já tinha estado antes e que serve comida boa a preços razoáveis. Tem - para mim - o típico defeito dos restaurantes holandeses: iluminação fraca, pouco ajudada por umas insipientes velas. Romântico? Talvez, mas não quando se come só. E acompanhado fosse, não sei com que pessoas feias andará o inventor do conceito velas-são-românticas a jantar, eu sempre gostei de ver a cara das pessoas com quem janto.

Mandei vir um prato de carne grelhada com puré de batata e salada. Para beber, uma garrafa de água. Vinte centilitros a dois euros, que esta gente faz-se pagar. Qualquer prato que se escolha vem acompanhado de uma porção de batatas fritas. À minha frente, umas senhoras nos sessentas arredondavam as formas com enormes canecas de cerveja, enquanto petiscavam as batatas, que em restaurantes menos chungas se chamam de pommes frites.

Para o holandês tudo o que lhe põem à frente é motivo para bradar lekker, o que em português quer dizer "delicioso". Mas tudo isso é dito com tanta falta de emoção e tão independentemente da qualidade da comida que desconsola os demais. Para eles, não interessa realmente se sabe ou não bem. Interessa o preço, a quantidade, se está ou não quente, mas acima de tudo o aspecto e o ambiente que os rodeia. Para um holandês, uma comida é melhor que a outra se o restaurante tiver melhor aspecto. De resto, pouco importa. Por isso a omnipresença das velas.

O meu jantar estava delicioso. Batatas fritas à parte, que não jogavam com o resto mas das quais não resisti a petiscar, foi dos pratos mais bem conseguidos que comi em restaurantes a preços acessíveis. Não que eu seja grande apreciador... Mas estava realmente bom. Não resisti a pensar que esta mesma comida dada a holandeses, é claramente pérolas a porcos...

Patinho

21.1.06

Presidenciais

Jacques Chirac. Silvio Berlusconi. George W. Bush.

Cavaco. Alegre. Soares.

Deste ponto de vista, nem parece assim tão mau, hen?

Vêm? Eu também sei escrever "cheer up posts"!

20.1.06

Coisas várias

Ultimamente tenho estado com pouca vontade de escrever. Até tenho algumas minudências, todas elas lugares comuns, para partilhar, mas falta-me paciência para lhes dar o mínimo de consistência.

Homofobia

Estou convencido que os homossexuais de hoje são os pretos e os judeus de ontem. Discriminados não se entende bem porquê.

Corpo e espírito

Falei recentemente com um transexual. Um rapaz muito corajoso que nasceu com corpo de rapariga. Não basta o sofrimento porque tem de passar, ainda é gozado e olhado de soslaio. Tem a sorte de ter os pais e amigos do lado dele, e apoio de médicos e psicólogos.

Felicidade alheia

Tudo isto me leva a pensar no quão cruel é a nossa sociedade. Ainda mais quando apresenta valores morais para colocar obstáculos à felicidade alheia. Queixo-me particularmente de quem se diz cristão (como eu), por ser de quem espero mais. Apesar de todos os discursos de "respeitar e mostrar caridade para com todas as pessoas", essa raramente é a realidade que se vê. E queixo-me também de toda a sociedade em geral, porque não vemos em cada um uma pessoa.
Quando se criticam estilos de vida, se estes forem inócuos e conducentes a felicidade, que é isso senão puro preconceito?

Idosos

E por falar na crueldade da sociedade, já estava na altura de começarmos realmente a pensar nos problemas específicos dos idosos. É que vamos todos para lá, e só quando lá chegarmos é que compreenderemos realmente o que custa.

Há um ano

Há exactamente um ano pedi-o em namoro. Acabou por não resultar, mas era impossível não assinalar a data...

19.1.06

Ressaca



Ontem consolei-me com um gelado. Um daqueles cremosos, de comer à colher, que se desfazem na boca...

Hoje estou de ressaca, a torradas e chá. Logo agora que me apetecia tanto comer a metade que sobrou do gelado...

18.1.06

Citação*

A solidão é o sentimento mais partilhado.

* O autor desta frase é o amigo a que me refiro no texto anterior.

Amigos

Se a memória não me atraiçoa, teria uns 16 anos. Ia algures com um amigo. Ao passar por um vão de uma escada, um idoso sentado nas sombras fez-nos parar e perguntou

- Vocês são amigos?
- Sim, somos...
- Muito bem. Olhem, estimem muito os amigos que têm de pequeninos, porque esses são os que ficam para o resto da vida. Depois já não fazem amigos assim... Estimem muito os que têm agora e não os percam.

Na altura notei as roupas sujas que o homem usava; só passados anos me atingiu a sua solidão. Não esqueço a ansiedade que tinha em evitar para nós o seu trágico destino, como se nisso buscasse consolo para a sua miséria. Pouco há pior que a solidão.

Vejo agora como o homem tinha razão. Nunca na vida me foi fácil fazer amigos, até pela forma como quase todos os que faço acabam por partir para outras paragens. E quando não é assim, vou eu de abalada. Os amigos que tenho são dos bons, mas estão espalhados pelo mundo. Talvez por isso, começo a proteger-me. Quem anda de passagem pela minha vida dificilmente passa de conhecido; cada vez menos tenho disponibilidade para fazer amigos. Cheguei a uma situação em que tenho muitos amigos, mas sempre poucos onde estou e quando preciso.

Tinha razão, o homem. Os amigos fazem-se de pequenino. Depois, cada vez menos. Ainda bem que fiz um bom "stock" de amigos, mesmo que quase todos estejam sempre longe!!!

17.1.06

Amor II



Contratei esta moça.

É isso mesmo

O que os portugueses precisam não é de TGV nem de Euros 2004. É sim de sair colectivamente para as ruas, emborcar uns bons garrafões de vinho (não demais...), comer umas sardinhas e dançar músicas tipo "azereje"*, tudo junto, putos e velhos, dreads e beatas. A ver se não arrebitamos logo enquanto Nação...

* Aquela música de verão, espanhola, sem qualquer tipo de significado mas inegavelmente alegre.

Uups




Pergunto-me se ainda me restará algum leitor depois do meu último texto!

Amor

Tenho vindo a rever ultimamente o meu conceito de amor. Sou um incorrigível romântico, acredito que é possível encontrar alguém a quem amar, e amar cada dia mais e mais completamente. Mas é preciso muito carácter e muita inteligência para ultrapassar todos os obstáculos pelo caminho.

Às vezes amar não basta. Eu pensava que sim, mas o tempo ensinou-me o contrário. Tem de se saber. Até porque há quem ame de formas diferentes, o amor não é todo igual. Saber lidar com isso exige muito de nós, muito mais do que alguns estão dispostos a pagar.

Há tantos desiludidos do amor, pessoas para quem o mesmo é como o Pai Natal, uma história que nos contaram em pequeninos. E também tantos que decidiram não arriscar mais. Não os culpo, de facto é difícil. É um risco acreditar, porque dói muito quando falha.

Apesar de tudo, é lotaria para a qual sempre comprarei o bilhete.

16.1.06

Viva a decência



Retirado daqui.

Exemplo

Um exemplo para ilustrar o último post: Há uns tempos, falou-se da possibilidade de aumentar a escolaridade obrigatória para o 12º ano. Não me lembro de ter ouvido uma única voz discordante, entre políticos e comentadores. Mas também não me lembro de nenhuma ideia mais absurda que essa... Quem conhece o ensino português sabe que a escolaridade obrigatória não funciona sem haver uma divisão entre alunos, que permita que alguns sigam ensinos aplicados (carpintaria, electricidade, etc.). Com o sistema actual, escolaridade obrigatória até ao 9º já é uma aberração... Nem para isso dá, o nosso ensino... Aumentar a escolaridade apenas vai diminuir ainda mais o nível de exigência do 10º-12º.

E lá está, uma ideia que parece bondosa e soa bem, obrigar os nossos meninos a estudar mais tempo. Mas também é uma ideia que mostra um desconhecimento profundo da miséria que é o ensino português. As matérias são pouco exigentes, pouco profundas, muito dispersas. Os alunos podem passar mesmo que não saibam. Obrigá-los a "pastar" na escola mais 3 anos é o quê? Criação de hábitos de preguiça? Por outro lado, os poucos alunos ainda interessados em aprender ficarão cada vez mais desmotivados com mais um abaixamento da qualidade e exigência do ensino. Acho que nem preciso de estar a argumentar mais, de tão óbvio que é.

Sei que imensa gente concorda comigo. Porém, não se fizeram ouvir. Quem apareceu foi quem não percebe nada sobre o assunto. As mesmas pessoas que nos vão acusar a nós (e fazer pagar) quando tudo ruir.

Pronto, já estou de mau humor...

Calar e comer

Como se vê tanta lucidez em tantos blogs e tanta falta dela na chamada "opinião pública", como esta nos chega pelos meios de comunicação social?

Basta ver o "prós e contras". É sempre as mesmas gentes, de cartilhas bem decoradas e sem qualquer sentido prático. Os raros convidados que percebem do assunto são sempre pessoas de fora do sistema que decide. Mas esses têm sempre pouca voz...

Não é que os portugueses sejamos burros... Temos é sempre de escolher entre tamanha falta de talento que não é o voto democrático que vai fazer milagres. O que se passa, então, para que os medíocres cheguem a políticos e quem sabe fique nas prateleiras? A "elite" pensadora como nos chega nos jornais e televisões seja um fiasco intelectual?

Veja-se o que se passa nas Associações de Estudantes das universidades. Quem concorre a presidente, sabe que ganhando terá de perder um ano de estudos. É quanto baste para que esteja já desenquadrado da ideia de estudante preocupado e responsável. Geralmente trata-se de pessoas militantes num determinado partido político, que se estão a lançar na carreira. Não serão certamente os alunos mais brilhantes nem os mais regulares. Preocupam-se em fazer cruzadas contra as propinas, esquecendo-se de aspectos mais importantes, como a qualidade do ensino. Geralmente são eleitos por uma proporção muito reduzida dos alunos (cujo desprezo pelas associações é elucidativo) e estão completamente desfasados daqueles que arrogam representar. Ficam-se com algumas ideias pela rama, como a noção de "sucesso escolar", e vão-as incorporando nos seus discursos vazios sem na realidade alguma vez chegar a aflorar a complexidade dos problemas.

Pois bem, é esta gente que mais tarde é contratada para adidos culturais, secretários de estado, etc. São estes que mais tarde chegam a Presidentes e demais cargos de chefia. São estes e os amigos destes os intelectuais ouvidos na nossa praça, que abafam as boas ideias com as suas vozes grossas ignorantes.

Falta em Portugal uma verdadeira elite organizada, que saiba impôr o bom senso. Nos entretantos, vai esta gentinha alegremente destruindo o que é de todos nós e ciclicamente culpando "o povo" por não produzir ou até não ter discernimento nas suas escolhas. E nós? Calamos e comemos.

Por quanto tempo mais?

13.1.06

Sexta feira, 13




Estou com a sensação distinta de me ter passado um destes - daqueles a sério - em cima.

Beleza




Alguém sabe onde é?

12.1.06

Reformas aos 90

Li no Expresso:

"Soares afirma que os portugueses devem reformar-se mais tarde «para dar sustentabilidade ao modelo social que se quer manter». Ele próprio «é um exemplo disso, pois nunca se reformou»"

E nos comentários:

[...]
Anote alguns principios para manter a sustentabilidade da Seg. Social:
- Reformas superiores a 1.500 euros perdem 13º mês.
- Pensões superiores a 2.000 euros continuam a descontar para a Seg. Social nos 5 anos seguintes à reforma.
- A dedução especifica de IRS no valor de cerca de 8.000 euros para a categoria H, desce para 5.500 euros.
- A taxa contributiva para descontos em ordenados superiores a 1.500 euros sobem 1,5% e os regimes especiais 2%.
- A pensão máxima a atribuir pelo Estado será de 2.500 podendo o trabalhador ao fim de 30 anos de descontos optar pelo sector privado.
Neste caso o trabalhador descontaria para a Seg. Social 8,5% e os descontos excedentes capitalizados em regimes complementares, seriam bonificados em sede de IRS como beneficio fiscal.
- As pensões hoje existentes de milhares de euros (todos sabem de quem) que não cumprissem o periodo de desconto e idade de 65 anos do seu titular, seriam objecto de novo cálculo e rectificadas a valores equivalentes ao comum trabalhador. Numa 1ª fase as reposições seriam de 15% ao ano, até prefazerem a legalidade e justiça que a todos é devida.
[...]

Parque das Nações

This is a special place for me, where I have spent some of the happiest moments of my life. I guess I can say we will always have Parque das Nações. And Paris. But everyone always seems to have Paris anyway.



For those of you unacquainted with its history, this very modern part of Lisbon was built where once possibly the worst part of the city stood, with old industries and whatever sort of crap.

Here the World's Fair was held in 98 (Expo 98), which received 11 million visitors from all over the world. This changed Portugal a great deal, as a very uncommon feeling of euphoria spread across the always a bit too depressed portuguese.

After the Fair, nothing was ever quite the same (mentality wise). Surely not in Lisbon, and also not in the rest of Portugal. For this reason, when you go to Parque das Nações, you get the special feeling of standing in a place that changed the heart of the portuguese forever.



Disclaimer: The fact is this area was rebuilt to hold Expo 98 and then integrated in the city. All the rest I've written is just my personal interpretation. In my last sentence, "forever" is used for practical purposes.



Read more about it here.

Frio

Estava eu a pensar na forma como ia escrever este texto quando se atravessou uma carrinha branca à minha frente. Bom, a bem dizer, a carrinha lá ia no seu caminho, eu é que me distraí nos meus pensamentos e com um cãozito a dar à cauda no meio da rua.

Que a carrinha fosse branca, pouco importa. É que por pouco não a pintei de outras cores. Travei a fundo, o que fez a roda de trás deslizar sob o cimento. A sorte é que não havia muito gelo. Acabei perpendicular à direcção de partida e com o nariz à beira da carrinha. O cãozito ficou a olhar para mim, pelo que lhe fiz uma careta (não obtive resposta).

A culpa de tudo isto (vá, deixem-me espingardar, que já me acalmo) é da minha senhoria!!! Sim, é mesmo. Passei a noite toda sem aquecimento, e esta manhã tomei um duche de água fria. Se é que a chapinhar na água a resmungar com a má sorte se pode chamar um duche. Ontem a senhora esteve incontactável, e o irmão dela (para todos os efeitos, a pessoa que toma conta dos aspectos práticos das casas que eles alugam) está em África. Sim, em África, aquele continente onde está quente. Sol, temperaturas altas, aquilo que eu não tenho no meu apartamento!

Hoje de manhã lá consegui contactar a senhoria. Prometeu fazer o melhor dela para resolver o problema esta tarde. Pois bem, se não conseguir vou para um hotel e mando-lhe a conta. Nem pensar que vou congelar naquela casa!

Finalmente, a todos vós - digo todos como se fossem muitos os meus leitores... doces ilusões -, um excelente dia! Think warm.

11.1.06

Sem comentários

Duche frio

Acordei com frio, o que não é muito comum, porque tenho o aquecimento sempre ligado. Abro a torneira, o que confirma as minhas suspeitas: não há água quente. O drama, o horror, a tragédia... Tomei um d-d-d-uche brrrrr, sequei-me a tiritar e fiquei com os ossos frios para o resto do dia. Sim, que os ossos arrefecem rápido. Demoram bem mais a aquecer.

Ainda estou na ressaca de uma conversa que tive ontem com o meu ex. Não falamos a mesma língua. Eu tenho dificuldades em exprimir-me e ele tem dificuldades em compreender-me. Se calhar o inverso também é válido, mas penso que não tanto.

De resto, que mais debaixo do Sol? Ah, sim, Santana Lopes "admite cenário de instabilidade se Cavaco ganhar as presidenciais". Confesso que me diverte mais o futebol, onde há chapadas no aeroporto a divertir a malta. Como telenovela, a política sai-se mal, pois já nada surpreende. Só a competência, mas essa há muito que tirou férias, e suspeito que pode ter emigrado definitivamente.

Se ainda não perceberam, eu esclareço: estou de mau humor. Pronto, há dias assim.

10.1.06

Complexos



(retirado do blog Coisas de outros tempos)

Sucesso escolar

O sucesso escolar como medida da qualidade do ensino é um embuste.

Transpondo essa peregrina ideia para os hospitais, é como medir a eficácia de um médico pela rapidez com que dá altas hospitalares. Independentemente do doente vir a morrer ou não. Indo ainda mais longe neste paralelismo, é como obrigar o médico a justificar-se se não der alta a cada doente passada uma hora ou permitir que os seus colegas médicos dêm a alta por ele, sem examinar o doente.

O sistema educativo em Portugal é uma anedota. Daquelas muito tristes.

9.1.06

Anti-clímax

O terminal distingue-se dos demais pelos passageiros sentados frente ao mesmo. É que é assim mesmo, a um português vê-se-lhe a pinta a milhas. Engravatado ou de unhas sujas, nada disfarça a sua nacionalidade. Em todos o mesmo ar de desalento, o mesmo enfado de partilhar o avião com outros portugueses, a mesma ânsia profunda de chegar à Pátria onde tudo funciona infinitamente pior mas onde nos sentimos finalmente bem. Repete-se a mistura squizofrénica do costume. Ao queixume "esta TAP é uma porcaria, vê-se logo que é portuguesa, atrasa sempre, o avião" junta-se o orgulho nacional "estes gajos não sabem o que é comida, em Portugal é que é". Todos iguais nos olhamos como se fôssemos diferentes, sendo esse o traço definitivo que nos une.

O avião está efectivamente atrasado, mas não tanto como o que vai para Copenhaga, e pelo menos não foi cancelado como o de Moscovo. As hospedeiras loiras distribuem sorrisos, excepto a única que não pintou o cabelo, que parece estar naquela altura do mês. Tem o seu direito, suponho, e também por regra só há uma destas por avião da TAP. Pergunto-me se as contratam a contar com isso. É que essas coisas dos ciclos não são certinhas como relógios, segundo penso perceber. Se forem a contratar hospedeiras de modo a terem no máximo apenas uma nesse estado por avião, tendo em atenção períodos de férias e possíveis baixas, não é fácil. Ainda para mais sabendo que estando várias mulheres juntas, os tais dias do mês têm tendência a sincronizar-se. É preciso muito boa gestão.

A criança começou a chorar, que lhe doem os ouvidos. Sim, há sempre uma criança à qual lhe doem os ouvidos. Por acaso esta até é meia sossegada, e os pais lá tentam dar um jeitinho "só mais um gole, vá, agora tapa o nariz e sopra, queres massagem no ouvido?". A pobre criança até nem faz muita birra e logo se vai distraindo com os desenhos animados que passa na televisão. Pior é o par de "amigos" que vai à minha frente, num constante puxa-prá-frente, puxa-pra-trás a cadeira, quase me derrubando a comida do pseudo-almoço (desta vez esqueceram-se de usar o eufemismo da "refeição leve"). Eu tenho 55 anos, diz ele, andei na tropa e nunca tive medo de ninguém. Quer alho para aqui, quer alho para acolá, e o avião todo tem de ouvir disto. Quando sairmos do avião - diz o outro com voz embaraçada pela bebida - nós depois lá fora falamos. Alho, alho, alho, 55 anos, mais alho, a guerra, alho, e ele não tem medo de ninguém. E eu, feito palhaço, não tive a coragem de os mandar calar. Da próxima vez que apanhar destes caramelos até peço à hospedeira mal-disposta para os mandar porta fora, se for preciso. Talvez a despressurização da cabine ajude com os problemas de ouvidos das crianças.

O inevitável "isto só em Portugal" ouve-se se não aquando da entrada no autocarro, no momento em que ficamos à espera das malas. Apetece-me dizer que se querem melhor, paguem eles, mas lembro-me intenção anunciada de taxar os passageiros da Portela para ajudar a pagar a OTA e calo-me. Pagar pagamos todos, mais do que a triplicar, e os preços não são para baixar, que os utentes da 25 de Abril ainda devem estar a pagar a Vasco da Gama. Junto-me ao coro dos telemóveis (é único o "pi-pi" das mensagens ao aterrar em Lisboa) e telefono a todos os meus amigos, feliz de voltar à terra-mãe. O alívio de estar no sítio que é meu sobrepõe-se a todos os cansaços da viagem.

Chega a mala. Procuro uma aberta entre os que estão especados em frente à passadeira rolante. Um rapaz tira a mala por mim e agradeço com um sorriso, com a consciência de que agora sim, estou em Portugal. Não tenho nada a declarar e também ninguém se importa, porque levam invariavelmente a pessoa antes de mim para a sala onde inspeccionam as malas. Saio da porta do aeroporto para a zona de espera e vejo um mar de gente... É impossível resistir a esboçar um sorriso. Dá-me a mesma vontade de sempre: acenar a toda a gente como se estivessem à minha espera, fazer um V de vitória e agradecer os aplausos, mas o sentido do ridículo ainda me vai impedindo - não por muito tempo mais, que um dia lá há-de ser.

Ao meu lado, um senhor de 30 anos. Tinha reparado já nele. Ar ansioso, como quem quer chegar quanto antes. Abre-se-lhe a boca de alegria, corre para a esposa e para os filhos. Vai abraçá-los... FLASH! Fotografia! "Espera, espera, volta lá atrás e repete lá isso que não ficou na fotografia". Não ficou nem vai ficar, aliás tu impediste-o de acontecer, ó palerma. Odeio estes criadores de anti-clímax, não sabem que o fotógrafo deve capturar, e não (re)criar, a situação? Acabam com toda a espontaneidade da vida.

Quanto a mim, encontro-me com a minha família. E ninguém estraga o momento com uma fotografia.

Horas sombrias




Fui só eu que me dirigi a estranhos, perguntando as horas, para matar a solidão?

8.1.06

Eugenio




Nombraré este vaso, donde esta la planta muerta. Le dibujaré un par de ojos, una sonrisa larga. La nariz la haré grande, para que respire bien. Ya tiene un pelo bonito, algo entre verde y marrón, que cae sobre la tierra reseca. Me dijo Alonso que le llame Eugenio, aunque sea desquiciado dar un nombre a un vaso. Como me gusta esa palabra... Desquiciado... Sea Eugenio Desquiciado. O mejor, Eugenio, el desquiciado. Asi tendrá un titulo, un toque de nobleza.

Será mi amigo, ese vaso, mi único amigo presente, ya que los otros estan a miles de quilómetros o a una virtual distancia de clicks. Ya no tengo inclinación para hacer amistad con fantasmas translúcidos, de esos que aparecen cuando queremos. Me tendrá que bastar un vaso. De todos modos, eso de los fantasmas si seria desquiciado! Quiero mantener mi sanidad! No quiero nada que ver con fantasmas! Ahora con un vaso, eso si, puedo ser amigo de un vaso, es algo fisico, algo que veo, algo respetable. Pero no cualquier vaso, tengo mis estandares, tiene que ser uno con nombre, y no nombro un vaso a menos que tenga ojos y boca y nariz.

Asi que le dibujo ojos, boca, y nariz. Es mi amigo, este vaso. Eugenio Desquiciado, o Eugenio, el desquiciado.

7.1.06

Corriqueiro

Ninguém espere que eu diga nada de novo ou algo que nunca tenha sido dito.

Escrevo minudências sobre lugares comuns.

É tudo.

Parabéns a mim

Hoje calei-me na altura certa.
Às vezes ser amigo exige isso. Engolir e calar. Mesmo quando vemos os disparates que alguém está a fazer.

6.1.06

Ever get that feeling?

Eu e eu

Tinha razão quem me acusou de egocentrismo.

Às vezes, quando penso nas pessoas que já fui, tento descobrir quando deixei de as ser. Reconstituo e reconstruo a minha história, baralhando as memórias de tal modo que nelas deixo de poder confiar.

1- Fui uma criança hiper-sensível, feito de lágrimas e riso, pura volatilidade emocional, muito susceptível. Era eu próprio, sem necessidade de me relacionar comigo mesmo, porque eu era eu e nada mais. Tão descomplicado.
2- Fui um miúdo fechado, magoado, descrente nos outros, defensivo, solitário, responsável. Eu era eu, mas era-no no meu próprio mundo. Era-o para mim, mas não para os outros.
3- Fui um rapaz surpreendido, descongelado, traumatizado, bem sucedido, perfeito. Tinha o meu mundo, mas também vivia já no outro. Eram dois em mim, um para mim, outro para os outros. Desenquadrados, desajustados, mas capazes de convivência.
4- Fui um jovem deprimido e reprimido, magoado por um retorno ao mundo real que não soube suportar, num regresso às defesas do passado que já não funcionavam. Acabei por tentar matar o eu que era para mim, e manter só o eu para os outros. Foi então que aprendi a odiar-me, e a odiar-me por me odiar. Tudo em mim odiava todo o resto de mim.

São realidades tão distantes, todas elas separadas por muros altos. Agora sou quem sou, e tento e vou conseguindo amar-me.

Já fui tanta gente, e sou alguém tão radicalmente diferente de quem fui... Vivem-se vidas, neste segundo efémero que é a vida. Gostava de saber em que sentido ainda sou quem fui e precisar quando deixei de o ser. Mas a memória e a história constroem-se com interpretações. A verdade só Deus a tem.
Reconstituo e reconstruo o meu passado, confundindo as memórias. É que estudar o passado permite compreender o presente, para assim melhor construir o futuro.

Que coisas tão estranhas escrevi. Esvaziou-se nestas palavras a minha vontade de escrever, sem que tenha conseguido dizer o que queria. A vantagem de ter um blog é que nada disso importa.

5.1.06

Florbela Espanca

Cheguei a pensar que teria gostado de me casar com esta grande senhora. Ela escreve divinamente.




Lágrimas ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Tomo a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Golpe de misericórdia

Amai-vos uns aos outros

Amai-vos uns aos outros.

Quando as palavras são repetidas até à exaustão, parece que perdem o significado. Hoje não choca, nem aquece nem arrefece ouvir "amai-vos uns aos outros". Porém, será difícil imaginar palavras mais revolucionárias.

Não sou historiador nem conheço em pormenor os tempos em que viveu Cristo. Porém, quando me tento situar no Israel daqueles tempos ou na Roma daqueles tempos, imagino que essas palavras seriam um choque. Amai-vos uns aos outros. Imaginem um soldado romano. Um senador romano. Um cidadão, um escravo. Imaginem um sacerdote judeu. Um fariseu. Um pescador. Haveria espaço para amar os outros desinteressadamente? É certo que havia quem o fizesse, mas imagino que a maioria da população veria isso como fraqueza. Olho no olho, dentes nos dentes. Os meus interesses primeiro. Dar desinteressadamente é que não.

Talvez os historiadores me contrariem. Pouco importa. Ainda hoje esta é uma mensagem revolucionária. Constato que muita gente não está pronta para a receber. Não sabem dar a outra face, e entendem que quem o faz é fraco. Respondem ao amor com violência. Acham legítimas a raiva e a vingança. Mesmo do mais devoto católico se pode ouvir "haviam de lhe fazer a ele o que ele fez aos outros".

Amai-vos uns aos outros.

Mais um vídeo

Cartas antigas - Perdoarás?

Quem diria que eu tinha isto no meu computador, nuns bits empoeirados e muito esquecidos? Vê agora a luz do dia esta carta nunca enviada (do tempo em que ainda escrevia cartas):

Perdoarás

Perdoar-me-ás se souberes que te amo? Se te disser as vezes que chorei por dentro ao esconder o amor que queria mostrar-se, se te contar o silêncio que de livre vontade por ti suportei, se te mostrar a angústia que me tolhe a alma, se quebrar o voto de silêncio a que me votei, perdoar-me-ás?

Não sabia que te amava ao sofrer, não sabia que sofria por te amar. Em ti busquei conforto, amizade, contigo procurei as respostas para o meu sofrimento, mas não imaginei que a resposta fosses tu.

Perdoas-me agora os silêncios e afastamentos, as demasiadas vezes que te telefonei, o demasiado tempo que não liguei, a inconstância de quem sabia que lhe faltava algo e desesperava de encontrar?

Não me perdoei eu quando descobri. Primeiro suspeitei, como quem suspeita a chuva ao ver as nuvens negras, como quem suspeita a lua ao cair do sol. Mas não quis crer. Não podia ser, não era essa a razão do meu sofrer. Perdi-me em demandas ridículas, em quimeras inalcançáveis, em sonhos irrealizáveis. Tive contigo arrufos estúpidos de namorados, quando apenas éramos amigos, o meu coração era teu mas a razão estava tão distante...

Perdoar-me-ás pelas vezes que fui ridículo, inconveniente, prepotente? Pelas vezes que te julguei minha pertença e me afastei envergonhado de mim próprio, sem admitir o que sentia? Por quando te amando me afastei para que os meus sentimentos se perdessem na distância?

Perdoas-me por me ter apercebido? Perdoas-me por me ter afastado? Perdoas-me por me ter re-aproximado? Perdoas-me pelos milhões de vezes que repeti tudo isso? Perdoas-me a constante inconstância com que te exigia o irrazoável? Perdoas-me por pedir desculpa? Perdoas-me por te amar?