- Eu quero-te contar uma coisa, mas prometes que não vais levar a mal? Promete!
- Tu deixavas de gostar de mim se eu fosse um assassino?
- Eu já tentei contar-te muitas vezes, mas nunca consegui!
- Não é justo não te contar, mas se calhar até preferias não saber.
- Pronto, esquece, também não é nada de importante.
- Deixavas de me falar se tivesse SIDA?
- Não, não fiz nada de mal! Quer dizer, se calhar vais achar que sim. É algo sobre mim, não sobre o que faço, mas o que sou, ou como sou.
- Quero-te contar mas não consigo!
Olá, eu sou o /me e gosto de homens.
É tão complicado o coming out* para amigos... Às vezes já nem é de não saber como vão reagir. É que o segredo acumulou pó e anos, e há remorsos de não ter contado antes. Seria justo. Depois há todas as situações do passado: as noites dormidas no mesmo quarto, abraços, a história sobre a Luísa que afinal era Luís. Como explicar que nunca houve segundas intenções, que aquilo era a sinceridade possível, que nunca deixei de ser eu apesar de nunca ter sido inteiramente eu, que a amizade apenas tem a crescer?
Depois, quanto melhor é o amigo, mais difícil é. A amizade pode já ser tão boa que não se pede mais nada. Resta é a obrigação de ser sincero e a certeza de que é um passo necessário. Mas é tudo tão pouco fluido, tudo tão confuso, são tantas as razões para esconder e em simultâneo tantas para revelar. É uma arte escolher o momento em que a mentira inicialmente necessária deve ser desmontada.
No caso do meu melhor amigo, contei-lhe o ano passado. Ele reagiu com a dignidade e afecto como sempre se comporta. Quem estava em falta era eu, porque ele já merecia saber - e tenho noção disso. Mesmo assim, o processo é lento, é difícil mudar o registo que se tem com uma pessoa. Fui-lhe contando as coisas por alto, mas é tão terrivelmente difícil ir para além disso. Nisso, os medos e preconceitos têm sido inteiramente meus. Do lado dele, apenas amizade.
Mostrei-lhe hoje este meu blog. Novamente, reagiu como já sabia. Sinto aquele misto de nervosismo e sensação de alívio. A minha vida vai-se unificando, o que só pode ser bom.
Como já disse antes, há amigos que podemos tomar por garantidos, e ainda bem. Mesmo que às vezes, como tenho feito, precisemos de muito tempo para lhes dar o que é devido.
* as frases que escrevi em cima são a título meramente ilustrativo!
- Tu deixavas de gostar de mim se eu fosse um assassino?
- Eu já tentei contar-te muitas vezes, mas nunca consegui!
- Não é justo não te contar, mas se calhar até preferias não saber.
- Pronto, esquece, também não é nada de importante.
- Deixavas de me falar se tivesse SIDA?
- Não, não fiz nada de mal! Quer dizer, se calhar vais achar que sim. É algo sobre mim, não sobre o que faço, mas o que sou, ou como sou.
- Quero-te contar mas não consigo!
Olá, eu sou o /me e gosto de homens.
É tão complicado o coming out* para amigos... Às vezes já nem é de não saber como vão reagir. É que o segredo acumulou pó e anos, e há remorsos de não ter contado antes. Seria justo. Depois há todas as situações do passado: as noites dormidas no mesmo quarto, abraços, a história sobre a Luísa que afinal era Luís. Como explicar que nunca houve segundas intenções, que aquilo era a sinceridade possível, que nunca deixei de ser eu apesar de nunca ter sido inteiramente eu, que a amizade apenas tem a crescer?
Depois, quanto melhor é o amigo, mais difícil é. A amizade pode já ser tão boa que não se pede mais nada. Resta é a obrigação de ser sincero e a certeza de que é um passo necessário. Mas é tudo tão pouco fluido, tudo tão confuso, são tantas as razões para esconder e em simultâneo tantas para revelar. É uma arte escolher o momento em que a mentira inicialmente necessária deve ser desmontada.
No caso do meu melhor amigo, contei-lhe o ano passado. Ele reagiu com a dignidade e afecto como sempre se comporta. Quem estava em falta era eu, porque ele já merecia saber - e tenho noção disso. Mesmo assim, o processo é lento, é difícil mudar o registo que se tem com uma pessoa. Fui-lhe contando as coisas por alto, mas é tão terrivelmente difícil ir para além disso. Nisso, os medos e preconceitos têm sido inteiramente meus. Do lado dele, apenas amizade.
Mostrei-lhe hoje este meu blog. Novamente, reagiu como já sabia. Sinto aquele misto de nervosismo e sensação de alívio. A minha vida vai-se unificando, o que só pode ser bom.
Como já disse antes, há amigos que podemos tomar por garantidos, e ainda bem. Mesmo que às vezes, como tenho feito, precisemos de muito tempo para lhes dar o que é devido.
* as frases que escrevi em cima são a título meramente ilustrativo!
10 comentários:
/me:
A minha experiência é esta: é muito mais fácil que o que pensamos.
Neste tipo de sociedade em que vivemos; com os privilégios da nossa origem social; nos centros urbanos; com as famílias que temos; com os amigos que temos - é muito, mas muito mais, fácil que o que pensamos.
Nestas condições, o principal obstáculo são os nossos medos. E o principal remédio para eles é a confiança.
Confia nos outros.
Um abraço,
Zé Ribeiro.
O teu amigo não tinha descoberto por si proprio?
Tenho pessoas com quem me relaciono de perto que sei que são homossexuais. Nunca me disseram e eu não vou perguntar. Também não ando por aí a perguntar ás pessoas se fizeram uma operação ao apêndice, como parece ser o teu caso.
Não poderia estar mais de acordo com o que disse o Zé Ribeiro.
A maioria das vezes nós é que não nos sentimos em condições de contar aos amigos.
ZR, estou com o \me, nos receios, nas angústias, nos medos... Tanto sinónimo! Ainda me lembro quando contei à minha melhor amiga, para mim contar aos amigos sempre foi mais fácil. E ela aceitou tão bem! Ficou com medo por mim, achou que eu ía ter uma batalha dura. Mas é bom saber que se precisar de um soldado na primeira linha ela vai estar lá.
Sobre isto falarei contigo em "privado", acho que o teu caso pode ser mais simples.
\me, eu jogo ténis, a cara metade também, tenho daquelas coisas de todas as cores! Se quiseres diz!
AR
AR,
se voltar a cair da bicicleta, peço-te uma dessas! :D
Da primeira vez que contei custou-me, da segunda nem tanto, depois veio a fase da frustração por ver poucas caras surpresas. Hoje em dia fico-me pelo: sou gay.
Ainda bem que já não falta contar a amigos senão não sei o que viria a seguir... lol
/me, como sabes nunca contei a qualquer amigo. Apesar de já ter pensado várias vezes em fazê-lo, acabei por nunca dar esse passo por ter a convicção de que nada voltaria a ser o mesmo. Se calhar é porque não se trataria de verdadeiros amigos. Não sei. Acredito que há-de chegar o dia em que vou contar a algum amigo. Quando esse dia chegar, venho contar-te se estava enganado ou não!
dcg,
Também acho uma coisa: só faz sentido contares quando tu te sentires pronto. É um processo que começa em ti... Se não estás seguro de querer contar e pronto a acartar com as consequências, acho que mais vale estar quieto... :)
Mas, Deus queira, há-de tudo correr-te bem.
E sei que vou ser polémico, mas também os amigos podem ter uma homobofia tão enraizada que não conseguem ver para além dela. Enfim.
big ZZ,
Fui ao teu blog e deixei lá um pequeno comentário. :)
Concordo contigo. Tal como disse que os amigos podem ter uma homofobia muito enraizada, também acho que se a amizade é mesmo sólida eles acabam por tentar ver mais além...
Como dizia um amigo, escreve algo com que possa discordar. :P
Assim não dá. :D
Abraço!
Volto a falar na confiança - não directamente relacionada com o coming out aos amigos, mas sobre a homofobia.
1) Em Évora, há 10 000 estudantes na Universidade. Aplicando as taxas da ordem, largas centenas de pessoal LGBT. Acrescentem-se as Escolas Secundárias, o Centro de Formação Profissional ( quase só malta nova ), os jovens já empregados - e teremos para aí milhar e meio.
O grupo local da rede exaequo conta com dois punhados de gente só. Inclui estudantes universitários. A Universidade não os deixava afixar informação do grupo. Reuniam no IPJ, mas este, subfinanciado pelo Orçamento, passou a cobrar um balúrdio incomportável pelo aluguer da sala.
Sem esperança de êxito, foi falar com o Reitor. Expus-lhe a situação. Reclamei contra a proibição de afixação. Pedi a cedência de uma sala. Ignorava a proibição, que anulou; cedeu a sala; declarou-se intransigente com incitamentos ao ódio homofóbico; marcou uma reunião com o grupo.
Eu não tinha confiado nele - e enganei-me.
2) Ontem, cheguei ao gabinete às 0900, como de costume, liguei o computador e fui ver o mail. Nos users, com divulgação aos alunos, estava uma mensagem de um menterarefeita do Departamento de Engenharia com a divulgação de um texto grosseiramente homofóbico sobre o Brokeback.
Esperei pela reacção dos revolucionários de serviço ( tenho colegas do PCP e do BE ). Às 1030, hora do chá, nada. No bar, muitos comentários, em geral de apoio ao menterarefeita. Às 1200 ainda nada nos users. Às 1230, escrevo uma mensagem, que envio para os users e os alunos, denunciando o conteúdo estúpido, discriminatório e homofóbico do texto. Fico à espera das reacções, que adivinho maioritariamente negativas.
Durante a tarde vão para os users e os alunos dezenas de mensagens de colegas meus coincidindo com a minha apreciação e fazendo as mesmas denúncias. Nem uma em contrário. O menterarefeita não abre a boca.
Eu não tinha confiado nos meus colegas - e enganei-me.
( Se tiver tempo, esta tarde falarei do meu coming out ).
Zé Ribeiro
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