21.3.06

Religião II

Ainda a propósito do texto do Padre Anselmo Borges, dou-lhe razão. É muito mais fácil aceitar a segurança de uma verdade construída que ter a responsabilidade de se ser livre. É muito arriscado, ser-se livre. Cometem-se erros, é-se criticado, é-se obrigado a pensar. Mas Cristo concedeu-nos liberdade. Às regras antigas contrapôs um mandamento novo: "amai-vos uns aos outros".

Assim sendo, o que é mais importante? Cito um amigo meu: "A autoridade da Igreja, que eu, naturalmente, aceito, centra-se nas matérias de fé. Querer fazer de tudo um dogma desvaloriza o essencial. Caberia lembrar aqui as palavras de Santo Agostinho: “Unidade no essencial, liberdade na dúvida e caridade em tudo”".

Assim sendo, talvez se possa medir o papismo de uma pessoa*, mas não se pode ser mais ou menos cristão. Ou se é, ou não se é, e para se ser basta seguir a Cristo. E nisso, a consciência está antes das regras. Aliás, creio que isso vale tanto para cristãos como ateus ou agnósticos.

O problema para os cristãos homossexuais é que se sentem muitas vezes órfãos de uma Igreja que lhes é hostil. E, muitas vezes, sentem-se atacados por todos os lados, como se fossem incoerentes - já me referi a isso. Era infinitamente mais fácil escolher a segurança de qualquer um dos lados - a repressão de uma Fé vivida em sentido estricto ou a sua rejeição. Mas ser livre tem destas coisas: escolhemos o nosso próprio caminho. Neste, tudo tem de ser construído. São poucas as certezas e muitas as dúvidas.

* Ia propor um sistema de 0 a 100, tomando uma determinada pessoa para 100, mas apesar de ser uma figura pública, acho deselegante. Raios partam o meu sistema ético...

13 comentários:

Manuel disse...

Que te posso dizer? Que tens razäo, naturalmente.
"...a consciência está antes das regras".
E näo te sintas órfäo: a paternidade de Deus näo se deixa condicionar pelos "excessos maternos"... :)

Anónimo disse...

A crença num Deus é, à partida, um mote que mina o raciocínio. Fora da premissa teocêntrica cogita-se mais arejadamente :)

/me disse...

Sabes, Mindful, eu encaro a coisa pelo prisma da Análise Numérica. Há que começar, muitas vezes com uma aproximação inicial. Quanto melhor esta for, mais depressa chegas à solução desejada dentro do intervalo de erro desejado. Se a aproximação inicial não for suficientemente boa, bom, sabe-se lá o que pode acontecer.

A crença em Deus não mina em nada o raciocínio, nem tem que minar. :)

sabine disse...

Afastei-me da religiao católica à alguns anos e agora está muito dificil voltar... Acredito em Deus (1º passo) mas ainto-me incapaz de seguir os outros dogmas da igreja sem questionar. E quero ser livre, como tu.

Anónimo disse...

Começas, então, por uma aproximação de redução ao absurdo. Concordo (ironia). É que cientificamente nem poderia ser de outra forma. O que até conjuga bem, porque Deus é absurdo. Deus é um tijolo que não cabe no buraco mas que se insiste em encaixar com argamassa pouco consistente. E é a Razão que se quer emparedar. Deus não é explicação para nada. Deus não é uma resposta, não é uma causa, não é uma ideia útil ao desenvolvimento humano. E se a religião alguma vez teve utilidade, esgotou-se na Idade da Razão. Porque é que um ser etéreo mal explicado ainda leva pessoas a juntar as mãos em oração? Não se manifesta, não é consequente, não acrescenta nada de novo à compreensão do mundo. Pelo contrário, semeia a dúvida e a multiplicação de ideias fantasiosas sem cabimento. Deus, ser supremo, pai, criador, o católico ou o(s) outro(s), não é mais que uma invenção perpetuada pela superstição e pela crendice. E quem crê, vive minado por essa premissa básica. Se se sente livre e nada afectado por isso, engana-se. Apenas está a bracejar num paradigma pejado de falácias e incongruências lógicas. Se queres fazer uma aproximação ao conceito de Deus tens que começar pela abordagem céptica. Se Deus existir, manifestar-se-á acima de qualquer dúvida. Partir da premissa de que existe, é o mesmo que partir da premissa que tudo o que a imaginação consegue inventar também existe. E olha que há coisas imaginadas bem mais fáceis de provar...

/me disse...

Redução ao absurdo? Não, não.
A existência de Deus não é uma suposição, para mim, mas sim um Axioma. A redução ao absurdo não se aplica.

De resto, não quero provar a existência de Deus. Aliás, se quisesse, redundaríamos em discussões já tidas por muitas pessoas, mais bem informadas que qualquer um de nós. Certamente mais bem informadas que eu. Neste aspecto, sou pragmático: pouco me importa se os outros acreditam ou não. Acho mais importante a forma como se vive a vida. E aí, no optimizar a forma como se vive, não faz grande diferença acreditar ou não; acredito que os princípios e os valores não são exclusivos de uma religião. Se temos razão, podemos usá-la.

Não quero fazer nenhuma aproximação ao conceito de Deus. Existe, é axioma. O espaço onde encontrar as soluções é mais restrito, mas a aproximação inicial terá de estar bem mais próxima da final.

Mindful, queres mesmo entrar nesta discussão? Tu já sabes onde ela vai levar...

Blogger disse...

Mindfull, não vejo onde é que a fé em Deus pode interferir com o conhecimento científico. A questão é que ao longo deste tempo todo temos visto as duas coisas como inimigas. Na verdade, as duas funcionam em complemento. Porque é k não podemos aceitar que Deus opera através de manifestações físicas. Isso também está relacionado coma visão que temos de Deus, que na maioria dos casos cooresponde ao velhotes de barbas brancas que cuida de nós no dia-a-dia. Se vermos Deus como uma força superir constiuído por toda a energia do universo da qual todos nós pertencemos, penso que se torna mais fácil aceitar que Deus é na verdade constituído por electões e iões e aquelas coisas todas que não me recordo. Por exemplo, ninguém põe em causa que o Big Bang se deu. A questão que eu coloco é porque é que se deu e através de que meios.Ao que julgo saber isso não está ainda explicado, mas mesmo que esteja, porque é k a explosão do "ovo cósmico" resultou no universo que conhecemos?
Em relação à igreja católica ja disse aqui a minha opinião, mas reafirmo que nenhuma igreja é a igreja de Deus. São todas igrejas de homens, fundadas por homens, segundo as regras dos homens.

Anónimo disse...

Não, não quero entrar nesta discussão. Não quero falar de coisas que não existem :) Quero «optimizar» a minha vida.

Anónimo disse...

Mas, Miguel, a teoria do convívio entre Deus e Ciência é muito recente e demonstra apenas mais uma tentativa do Homem (de alguns homens) para perpetuar algo que não existe, num novo contexto que a ele é adverso. Agora Deus opera através das leis da Física, ou estas são uma manifestação do divino, amanhã conjuga-se Deus com o novo paradigma que aparecer. Não que isso seja ilegítimo, mas é desnecessário de tão repetitivo e tendencioso que começa a ser. Porque ninguém tira da cabeça de quem é crente que Deus simplesmente não existe. Ponto.
Eu também já fui católico. Tive a minha fé, que hoje atribuo à ignorância. Tal como o Amor, que é um acreditar sem limites e um admirar sem olhar a defeitos. E o conceito de uma entidade superior que é toda ela Amor é fascinante. Mas não é credível nem sustentável sobre qualquer avanço intelectual que o Homem fez até hoje. A crença e religião actuais são heranças culturais de uma fase da História em que, desprovidos de mecanismos mentais e outros meios para obter conhecimento, procurávamos teorizar sobre a natureza. Hoje, o mesmo esquema de raciocínio que criou a Internet e me permite estar a falar contigo por aqui, está a ser posto em causa quando aplicado a Deus. Por que é que a Lógica é válida para nos dar tecnologia e conforto, mas esmorece quando se procura evidenciar que Deus não existe? Onde está a coerência de quem usa de dualidade de critérios? É que Deus até se pode manifestar pela Física, mas primeiro é preciso acreditar nele. E para algumas pessoas, Deus não é um axioma. É uma premissa que não surge naturalmente. É um dado tão válido como imaginar elfos, hobbits, a Força ou entidades místicas de "energia". Mas não consigo (nem pretendo) retirar a fé a quem quer que seja. Tal como ninguém me consegue implantar uma ideia de Deus na cadeia de valores.

sabine disse...

Miguel: concordo contigo.

Anónimo disse...

Como eu não tenho o teu sistema ético - ou, melhor, sou mais descarado que tu ( que os SEs não devem ser muito diferentes ) - proponho o inefável João César das Neves como substância papistométrica: 100 graus seria o papismo quando ele está em ebulição, quero dizer, quando comenta no DN.

O problema é que dava jeito outro valor de papismo na mesma substância para fazer bem a escala ( como a água com o zero e o cem, para a temperatura ). E receio bem que as transformações do JCN sejam isopapísticas.

Um abraço,
ZR.

( Eu tenho muita coisa a dizer sobre este post e sobre os comentários do mindful, mas não tenho tempo. Fica para outra vez. )

Anónimo disse...

Agora lamento ter comentado o post inicial e não este...
Não me vou, portanto, repetir, mas reafirmar a minha postura, que coincide com a do Mindful. O problema é que ele se expressou tão completamente que já não me resta dizer nada... :(

Enoch's out of words...

Paulo Afonso disse...

Bem, sou Agnóstico por princípio, mas com algumas tendências para o ateísmo... E cheguei a esta posição, depois de ter sido seminarista. A homossexualidade, enquanto Cristão, nunca foi um problema para mim. Julgo que o problema da religiosidade hoje situa-se no facto de Igreja e Sociedade andarem um tanto ou quanto afastadas, e não mesmo de costas voltadas. É incrível que a Igreja, que deve ser comunitária continua a "basear-se" na opinião de uns poucos! De resto, respeito a crença num só Deus, nesta ou naquela Igreja, e admiro quem o consegue fazer. Mas se a minha razão não consegue provar que "esse Deus existe", não me posso permitir a acreditar no vazio.