Tão depressa estou grato ao meu telemóvel como só me apetece afogá-lo sanita abaixo (flushhhh). Mas não convém; ainda há duas semanas me entrou o senhorio de charuto em riste casa adentro, a verificar as canalizações. Apenas mudou a água ao autoclismo umas quatro vezes, mas foi o suficiente para deixar um cheiro pior dentro de casa que fora, onde os esgotos estavam a ser limpos a céu aberto. O drama é que o mesmo instrumento que me liga ao mundo inferniza-me a vida. Tenho mais momentos de sossego no meu próprio país, que aqui, a muitos quilómetros de distância.
Claro, podia deixar o bicho em casa. Podia não lhe carregar a bateria. Mas já habituei todos a responder. O hábito aumenta as expectativas. Tomam por garantido que vou atender. Se não o faço, é um ai Jesus que deve ter caído por uma ribanceira abaixo ou mesmo caído da bicicleta sem razão*, ou porque é que ele não me atende a mim, estará chateado?
Hão-de ver se não arranjo uma bateria estragada que esteja constantemente a ir abaixo... Ou se não mudo para uma rede que tenha má cobertura nesta cidade. Chego a ter saudades dos tempos em que se telefonava das cabines públicas e se trocavam cartas! E eu escrevia tantas. Foi assim que mais aprendi espanhol, foi assim que mais aprendi a conhecer-me. Num pedaço de papel cabe mais da alma que o computador mais avançado alguma vez terá a capacidade de captar. Foram tantas, as cartas, as que chegaram ao destino e mais ainda as que acabaram rasgadas no caixote de lixo. Como cheguei a esta situação, reduzido a mails e chamadas telefónicas? Como dizia o outro a explicar a sua falência, primeiro aconteceu gradualmente, e depois de repente. Foi algo assim.
O problema é que cão que ladra não morde. Menos ainda quando acabou de receber uma chamada de um grande amigo de outro continente. Acabo por ter de dar graças pelo maldito telemóvel.
* Não que isso me aconteça, claro! Nos únicos registos que há, em toda a minha vida, de quedas da bicicleta, as culpas foram atribuídas ao muro que não saíu da frente, às linhas do caminho de ferro, ao gelo que estava na estrada e a um pneu que rebentou.
6 comentários:
Como dizia o outro...primeiro estranha-se e depois entranha-se! O teu blog é uma verdadeira tónica Schweps(don't mind the mispelling!), e o teu sentido de humor obriga-me a passar por cá amiúde na esperança de ver MAIS um post!
Abraço
Acho que é uma consequência natural do condão que tens de deixar as pessoas a sentir-se bem depois de falarem contigo.
Nada a fazer quanto a isso!
Abraço.
1) Com 25 anos e com saudades do tempo em que escrevias cartas - és certamente um bicho raro. Com a tua idade ninguém escreve/escreveu cartas. Eu escrevi muitas quando era adolescente e jovem adulto - mas não havia telemóveis, net, ... E tenho saudades, sim. E escrever cartas é um bom processo de nos conhecermos. A era de oiro deve ter sido o sec XIX: muita gente a saber escrever, nada de telecomunicações. Outro dia, foi publicada a correspondência do Darwin. Um tipo fica banzado: dias de 14 cartas! "Cartas", não bilhetes a dizer que não se pode ir ao teatro; algumas muito extensas, com matéria científica. Como tinha tempo para outras coisas?
( Continua, que tenho aula. )
( Acabou a aula. )
2) É impossível aprender "espanhol": tal língua não existe. Como me lembram os meus amigos catalães e bascos, o que eu aprendi ( mal ) foi castelhano. Aos meus amigos bascos, todos da Esquerda Abertzale, já é indiferente o nome que dou à língua - desde que não a use e fale com eles em francês ou inglês ( que ninguém chama "britânico". )
3) Feitas as contas, o saldo dos telemóveis é muito positivo. Eu gosto muito de TMs. I had a dream: que os TMs, com écran wireless desdobrável tamanho A4, e com ligação à net a muitos GBps, digerem os PCs. Ainda hei de ter um assim.
ZR.
P. Lino, tenho imensos livros do Calvin. Infelizmente, deixei-os em Portugal. :(
Queer Gourmet, obrigado pelo elogio. ;) Tenho de passar pelo teu blog a ver se já lá tenho a receita que pedi. :P
dcg, abraço!
ZR, eu sempre escrevi muitas cartas. A última tinha mais de 20 páginas. :P
Agora já não escrevo assim, excepto em raras ocasiões. Mas gostei muito de o fazer. Eu era viciado em escrever cartas. Infelizmente, a maior parte não recebia resposta... Acontece!
Eu estive para dizer "castelhano", mas depois pensei que não valia a pena. Para consumo interno agora digo espanhol, e só quando falo com os ditos é que digo castelhano. Senão lá tenho de ouvir a lenga-lenga do costume, e não tenho já paciência!
estás a ver porque é que eu não te ligo???
O facto de ter perdido o teu numero holandês tb deve influenciar um pouco...
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