Eu recuso-me a acompanhar notícias sobre tragédias. Já basta o que tenho de negativo na minha vida - não me estou a queixar; simplesmente não vivo numa redoma -, não preciso de saber pormenores sobre o drama do submarino afundado, do tsunami e menos ainda da senhora de idade que está há cinco anos na lista de espera para ser operada à vista.
Estar informado é bom, mas do essencial ao tétrico distam dois segundos de um telejornal da TVI. Não nego o valor da comunicação social, de forma alguma, mas é uma escolha pessoal. Considero-me suficientemente sensível ao sofrimento alheio para precisar de ver alguém chorar a morte de um filho para me comover. Protejo-me.
Se bem me lembro, no seu filme Bowling for Columbine, Michael Moore defende a tese de que muitos dos comportamentos negativos da sociedade actual são devidos ao medo e acusa a comunicação social de fomentar esse sentimento.
Talvez tenha razão. Um exemplo é a homofobia; não podia deixar de o referir. Mas há quem viva a sua vida toda com medo. Medo de falhar, medo de sofrer. É terrível, quando a própria pessoa sabota as possibilidades que tem de realmente ser feliz, por ter medo de falhar. Impossível não lembrar a frase: façam o favor de ser felizes.
Para além de um paralisador medo de falhar, que tenho de contrariar permanentemente, eu tinha um pequeno medo de alturas. Nada de mais, apenas ligeiras vertigens. Fiando-me no popular "enfrenta os teus medos", aproveitei um dia a oportunidade de estar numa varanda sobre um precipício, com o chão em gradeado, para olhar bem para baixo, saltar, enfim, expurgar o medo. Não ajudou nada, pelo contrário. Não se tornou numa fobia incapacitante, nem de longe, mas piorou.
Julgo que o truque para vencer os medos é simplesmente estar disposto a pagar o preço. Eu sei que para amar alguém terei de correr riscos: se falhar, sofro. Mas amar é tão bom que vale a pena. Eu sei que subir ao cimo de um castelo com as escadas gastas pelo tempo tem o seu quê de perigoso, mas é-o tão pouco que a paisagem vale a pena. Claro que me posso proteger, mas num tanque de guerra não é possível chegar ao cimo do castelo. Quanto muito, poderei usar um colete anti-balas.
A razão não basta, em muitos casos, mas noutros sim. É uma questão de se estar ou não disposto a correr o risco. Mas, muitas vezes, as pessoas enganam-se a si mesmas. Dizem ter demasiado medo para procurar o que querem, mas continuam a fazê-lo, sem conseguir arriscar o suficiente para poderem realmente atingir o que querem. É um ciclo, porque assim ficam mais frustradas, e reforçam o medo. Vão-o alimentando mais, com o tempo. Choca-me especialmente as pessoas que vão de relação sexual em relação sexual, de uns para outros, mas realmente procuram é amar e ser amados. Vão usando e sendo usados, que é possivelmente até aquilo de que fugiam.
Por fim, é óbvio que não sei nada de psicologia. Mas uma coisa eu sei: não quero que a minha vida seja regida pelo medo.
Estar informado é bom, mas do essencial ao tétrico distam dois segundos de um telejornal da TVI. Não nego o valor da comunicação social, de forma alguma, mas é uma escolha pessoal. Considero-me suficientemente sensível ao sofrimento alheio para precisar de ver alguém chorar a morte de um filho para me comover. Protejo-me.
Se bem me lembro, no seu filme Bowling for Columbine, Michael Moore defende a tese de que muitos dos comportamentos negativos da sociedade actual são devidos ao medo e acusa a comunicação social de fomentar esse sentimento.
Talvez tenha razão. Um exemplo é a homofobia; não podia deixar de o referir. Mas há quem viva a sua vida toda com medo. Medo de falhar, medo de sofrer. É terrível, quando a própria pessoa sabota as possibilidades que tem de realmente ser feliz, por ter medo de falhar. Impossível não lembrar a frase: façam o favor de ser felizes.
Para além de um paralisador medo de falhar, que tenho de contrariar permanentemente, eu tinha um pequeno medo de alturas. Nada de mais, apenas ligeiras vertigens. Fiando-me no popular "enfrenta os teus medos", aproveitei um dia a oportunidade de estar numa varanda sobre um precipício, com o chão em gradeado, para olhar bem para baixo, saltar, enfim, expurgar o medo. Não ajudou nada, pelo contrário. Não se tornou numa fobia incapacitante, nem de longe, mas piorou.
Julgo que o truque para vencer os medos é simplesmente estar disposto a pagar o preço. Eu sei que para amar alguém terei de correr riscos: se falhar, sofro. Mas amar é tão bom que vale a pena. Eu sei que subir ao cimo de um castelo com as escadas gastas pelo tempo tem o seu quê de perigoso, mas é-o tão pouco que a paisagem vale a pena. Claro que me posso proteger, mas num tanque de guerra não é possível chegar ao cimo do castelo. Quanto muito, poderei usar um colete anti-balas.
A razão não basta, em muitos casos, mas noutros sim. É uma questão de se estar ou não disposto a correr o risco. Mas, muitas vezes, as pessoas enganam-se a si mesmas. Dizem ter demasiado medo para procurar o que querem, mas continuam a fazê-lo, sem conseguir arriscar o suficiente para poderem realmente atingir o que querem. É um ciclo, porque assim ficam mais frustradas, e reforçam o medo. Vão-o alimentando mais, com o tempo. Choca-me especialmente as pessoas que vão de relação sexual em relação sexual, de uns para outros, mas realmente procuram é amar e ser amados. Vão usando e sendo usados, que é possivelmente até aquilo de que fugiam.
Por fim, é óbvio que não sei nada de psicologia. Mas uma coisa eu sei: não quero que a minha vida seja regida pelo medo.
18 comentários:
O medo é algi que sempre me foi difícil controlar. Vamos vencendo os nossos medos a cada dia que passa, mas também surgem novos muitas vezes.
É um processo contínuo o derrube do medo, mas é possível e sim, não há que deixar a nossa vida levar-se por ele.
*hug*
Seja nas vertigens, seja no tanque de guerra, seja no coming out, seja na procura de parceiro, o que se precisa para vencer o medo é ( como já se diz há muito tempo ) - coragem.
Mas a coragem ( física ou "moral" ) deve ser esclarecida pela inteligência, sem o que é temeridade ou, mesmo, inconsciência.
E a coragem não aula o medo: o medo continua presente - só que não é ele que dita o comportamento.
Um exemplo clássico é o grito de guerra de uma família nobre francesa dos secs XIII/XV, não me lembro qual, com que entravam nas batalhas, em que muitos deixaram a vida: "Não tremas, velha carcassa!".
Tudo isto é muito antigo e muito conhecido.
Quanto às pessoas que vão de relação sexual em relação sexual, não estou inteiramente de acordo.
Não julgo que esse permanente swing mereça em todos os casos palavras tão duras como "usar e ser usado". Há pessoas cuja vida sexual é assim - mas sem que haja a "utilitarização" e o certo menosprezo do homem que as palavras referidas sugerem. E há também aqules que tentaram relações duradouras, às vezes em condições adversas, exigindo muita coragem, mas que falharam - e se resignam a algo mais modesto. A resignação, para mim, não tem necessariamente uma carga moral negativa. Nestas coisas, como em tudo, devemos ser muito exigentes quando nos julgamos a nós próprios; e pouco exigentes quando julgamos os outros.
Um abraço,
ZR.
ZR, concordo, esse swing não merece sempre as palavras de "usar e ser usado". Mas choca-me as pessoas que o fazem mas se enganam a si mesmas.
Se têm consciência do que fazem, é lá com elas. Mas se se enganam, aí acho tudo muito triste, tragicamente triste.
Indo mais longe, e independentemente do que penso sobre o assunto, moralmente.
Eu acho que há pessoas cujas personalidades lhes permite ter relações sexuais sem compromissos.
Mas há outras que não. Eu, por exemplo, não o poderia fazer. Por educação, seja por que for. Eu sou assim: acho que a união sexual entre duas pessoas é uma entrega que não pode ser inconsequente. Destruir-me-ia por dentro, a pessoa que sou e construí, se assim não fosse.
Não estou a arrogar-me de superior; simplesmente sou como sou. E sei que há pessoas como eu que, por serem magoadas, se enganam a si mesmas. Pensam que podem ser outra coisa, quando realmente procuram o que eu procuro. E magoam-se.
Ou isso, ou sou "presumido". :)
Eu julgo que tens uma visão um pouco "abstracta" do que é a sexualidade humana. Ou, melhor, não separas a sexualidade factual, resultante da líbido, da sexualidade ideal, resultante das normativas morais.
Falando de maneira menos pedante: Supõe uma pessoa que, por algum motivo, não está em condições de apostar em relações consequentes. Que fazer dos seus impulsos sexuais? Ignorá-los? Dirás que não julgas a pessoa se ela optar por relações estrictamente sexuais, sem desenvolvimento amoroso. Mas eu não pergunto bem isso. Pergunto: O que farias tu? Sobretudo, o que farias se se tratasse de uma condição não passageira, mas duradoura, eventualmente permanente. Tratando-se de ti próprio ou, por exemplo, de um filho deficiente profundo. Que farias?
Penso na tua metáfora das barragens. E penso que a água sai sempre. Se for de acordo com os teus planos - óptimo. Mas, se o controlador das comportas só as abrir nas condições óptimas por ele previamente definidas, pode acontecer que rebente antes.
O impulso sexual, /me, é uma realidade "impositiva", que nem sempre é controlável. Nem sempre o podemos pôr de acordo com o "deve ser".
Um abraço,
ZR.
ZR, não sei.
Repara, eu referi-me a casos concretos que conheço: pessoas que vivem de uma forma que na realidade é incompatível com o que a sua personalidade lhes exige.
Estás-te a referir a outros casos, em que não tinha pensado nem mencionado. E aí é difícil responder, exactamente porque acho que cada um deve pensar por si.
Acho o caso de um deficiente profundo distinto, porque é alguém que está dependente dos outros. É um problema complexo. Há casos de deficientes que se masturbam, e aí como proceder? Instintivamente, parece-me que se deve dar-lhes privacidade, na medida do possível. E há, embora não tanto em Portugal, quem masturbe os deficientes. Aí, não sei que diga. Penso que a questão é e deve ser estudada. Não consigo pronunciar-me. :s
Pois... entraram num campo complicado em que é dificil falar e mesmo opinar.
Quanto ao resto, concordo com o \me. Houve alturas na minha vida, em que o impulso foi forte, mas que não tive sexo só plo sexo. Mas compreendo que existam pessoas que o consigam fazer. Eu mesmo não digo que nunca o farei. Já me supreendi vezes demais comigo próprio... mas até agora, não.
É como dizes, cada um é como é!
é perfeitamente natural ter medo. o problema é a forma como interpretamos e reagimos a esse medo.
Em relação ao telejornal da TVI, também o acho um bocado sadico, mas há gostos para tudo. Pessoalmente fico um bocado afectado com tanta coisa negativa, por isso tento fugir um bocado disso.
Pois. Às vezes (tantas vezes) o sexo é só uma das formas do medo. Suponho que é aí que é "condenável", ou pelo menos "menor". Não?...
O que leva uma pessoa a adoptar determinado comportamento sexual, é de tal modo complexo e tem tantas varáveis que, dificilmente, se pode tratar de uma forma geral.
Sobre o que o ZR disse e o /me respondeu, há discursos a favor e contra as posições que os dois defendem. Eu também conheço casos que me parece ser o "típico" estilo leviano... mas será que eu estou "por dentro" de todas as variáveis? Numa análise mais cuidada acho que não!
Talvez a única coisa de que devamos ter medo seja do próprio medo. Mas penso, também, que a firme decisão de vencer o medo seja o grau máximo da coragem. Mas teóricamente isto é fácil. Também eu tenho as minhas fobias e nem sempre sei enfrentá-las.
Gostei deste blog. Tomei a liberdade de linkarte.
Abraço
Questão complexa, de facto, mas sobre a qual já passei mesmo muuuuuuito tempo a matutar. E como cada um é como cada qual, cá vai a minha modesta opinião:
Quando as hormonas falam mais alto e estamos perante um caso clássico de instinto sexual ao rubro, normalmente até arranjo formas alternativas e self-service de resolver a questão. ;) O chamado "sexo pelo sexo", no sentido em que não resulta de uma relação do famoso Amor, afecta-me mais quando ando carente. Quando o que me falta é ser mimada, não tanto o simples processo do "entra e sai". Houvessem outras formas de colmatar esta carência e a minha vida sexual seria ainda mais desinteressante, é verdade... : ) mas o facto é que a necessidade de carinho, de afecto (não necessariamente de amor, mais de atenção) são inclementes e recorrentes. Concluo do meu caso particular que, sendo alguém perfeitamente capaz de separar o sexo do A., raramente o separo da doçura e do companheirismo, quando ISSO me falta, aí sim, começa a frustração a ganhar terreno e peso prós e contras para ver se vale a pena manter a relação, seja ela de que natureza for. A necessidade, no meu caso, é portanto mais emocional do que propriamente física, mas num plano totalmente diferente do idealizado pelo nosso romântico de serviço. ;)
Quanto a "utilização", não lhe dou essa conotação negativa, de facto. O guarda-chuva é um belo utensílio, o esquentador é uma dádiva dos céus... : ) Se duas pessoas se "utilizam" uma à outra para se tornarem um pouquinho que seja mais felizes, e o sentimento é mútuo, não acho que seja relevante o facto de não estarem apaixonadas uma pela outra, desde que isso seja claro para ambas as partes. Quando estás deprimido e mandas uma mensagem ao teu melhor amigo pedindo uma palavra de encorajamento, não estás a "utilizá-lo" para te sentir melhor? Claro que estás, e ele faz o mesmo, na vez dele... porque é isso que as pessoas fazem: no melhor sentido possível, utilizam o apoio dos outros, das mais variadas formas para dar alegria à sua vida. Para mim, a relação sexual nesse contexto é mais uma dessas formas. : )
Lá está, cada um é como cada qual... Mas a procura do ideal continua, quem sabe um dia ela não acabe com estas tentativas... ;)
(É escusado, sai-me sempre cada testamento...!!)
Gosto mesmo do teu blog.
Qualquer dia, perco o medo e começo um tb!
:)
"Claro que me posso proteger, mas num tanque de guerra não é possível chegar ao cimo do castelo." - /me
Eu gostaria de não ser de cristal...
Gostaria de ser um forte, construído com mãos magoadas e antigas, com as pedras mais resistentes duma geração de cavaleiros, num país desenhado com a força da espada.
Teria as fundações mais profundas e as muralhas mais impenetráveis. Esconderia a biblioteca mais maravilhosa, segredos de magia, de reinos passados, cartografias de reinos de elfos e continentes submergidos. No alto, hastearia uma bandeira orgulhosa.
Gostaria de ser um forte com cinco séculos de história.
Gostaria de ver o musgo crescer por entre as fendas das rochas, de sentir a aragem percorrer as torres vazias, sussurrando os segredos que as paredes contassem. Teria nomes de infantes gravados nas rochas, outras manchadas de sangue e de golpes de machado. Canhões oxidados e inúteis apontando a lado nenhum.
Gostaria de sentir o silêncio que traz a morte e o esquecimento, a paz apenas interrompida pelo chilrrear dos pássaros que fizessem em mim o seu ninho.
Gostaria de ser um espírito eterno, orgulhoso da morte e da vida, que cantasse silêncios e ecos longínquos entre abóbadas largas.
Gostaria de ser um forte impenetrável, num bosque de elfos e fadas, de conter na minha biblioteca toda a sabedoria, de hastear uma bandeira orgulhosa e de viver eternamente.
Enoch: é lindo, mas não concordo; gosto mais da fraqueza e do efémero.
( Etimologicamente: Concordar = Estar de coração com. )
'braço,
ZR.
Não vou responder individualmente a todos (aliás, vou deixar de o fazer), porque a conversa tem evoluído num contínuo e não está monopolizada, felizmente.
Na Sacristia, obrigado! Eu costumo ler o teu blog, também, mas nunca o tinha "linkado", embora estivesse quase para o ter feito, por diversas vezes. Faço-o agora.
lost_girl, gaja! :D
Sim, temo que seja isso, a carência por carinho é mais forte que a carência por sexo. E pode mesmo ser muito forte.
De resto, não sei se já disse isto, mas eu vejo as manifestações físicas um pouco como uma promessa. Até certo ponto, de amizade, a partir daí, de algo mais. Nisto sou intuitivo, e as regras que tenho são para consumo próprio.
Quanto a duas pessoas, num período de "carência", que se "consolam" uma à outra. Deixando de lado os aspectos morais, apenas acho que depende da situação, se se estão a usar ou não. É tudo muito complicado. Como costumo dizer (bem sabes...), "eu apenas moro aqui", não fui eu a fazer as regras. :p
aequillibrium, isso, anima-te a fazer um! Tens um leitor garantido. :)
Enoch, mentiroso. :P Tu querias era ser feliz. :) Abraço!
" ... a carência por carinho é mais forte que a carência por sexo. E pode mesmo ser muito forte."
Absolutamente.
Mas com algumas excepções. Por exemplo, um adolescente que desperta para o sexo. Ou o Don Giovanni. Este é paradigmático: o contrário do que está entre aspas é sinal de imaturidade.
Para mim, os swingers não infringem nenhuma regra moral. São apenas imaturos, porque ainda não compreenderam que, por cima de sexo, se pode construir uma coisa muito mais interessante.
Um devorador de fast food - e os putos são-no, em geral - não é imoral, é imaturo.
Há demasiado moralismo em matéria de sexo. Como em outros ramos da actividade/sensibilidade humana, ganhar-se-ia muito em reduzir os axiomas ao mínimo, consignado na AEFH ( Aritmética Elementar da Felicidade Humana ) : 1) Procurar ser feliz, fazendo os outros felizes. 2) Se impossível, ao menos não magoando os outros. 3) Se ainda assim impossível, então magoando os outros o mínimo indispensável.
Isto bastaria.
ZR.
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