20.3.06

Religião

Diz Anselmo Borges, num comentário a ler no DN:

"Os seres humanos são, por natureza, frágeis, carentes e, por isso, é quase inevitável que, entre a liberdade e a segurança, a maioria não hesite em escolher a segurança."

Teremos esse direito, em religião? Mais, teremos o direito de impôr o nosso conceito de segurança aos outros, em detrimento da sua liberdade?

15 comentários:

Manuel disse...

Näo. Näo temos.

Anónimo disse...

Estás a perguntar se, em religião, temos o direito de escolher a segurança? Mas o comentário diz que a escolha pela religião é a escolha pela segurança, logo não há qualquer questão de direito quando já se é religioso. E, claro, não temos o direito de impôr nada aos outros, muitos menos um sentimento de segurança camuflado de religião. Embora o impulso evangelizador (em sentido estrito, católico - chamemos-lhe proselitismo num sentido lato) seja mais forte que o respeito pela liberdade dos outros. As religiões não se dão por satisfeitas quando apenas anunciam a sua Verdade; querem impô-la ao mundo e reconstruí-lo à sua imagem. Não têm esse direito.

Presumo que por oposição à segurança (i.e., religião), o ateísmo seja inseguro. De facto, é-o. Porque coloca nas mãos do indivíduo uma série de responsabilidades e reflexões que em religião são digeridas por terceiros e absorvidas sem o peso de um raciocínio mais profundo. A incerteza gera insegurança. Mas se culturalmente convivêssemos com o ateísmo (e com a moral ateísta) sem preconceitos e há mais tempo, o fosso entre a liberdade e a insegurança diminuiria.

maria disse...

É mais um caso em que "se junta a fome com a vontade de comer"

Eu não ouso achar que as religiões (não só a católica, portanto)explorem essa vulnerabilidade dos homens, mas que é muito à conta dela que as religiões se mantêm...

Mikael disse...

Ainda bem que sou agnóstico...

Blogger disse...

mais um belo tema. Eu penso que em religião não há essa liberdade. é mesmo uma questão de segurança para consigo próprios. Os seres humanos são altamente sociáveis e por isso precisam de líderes e sentir que pertencem a algo. Julgo que existe uma exploração das pessoas por parte das religiões, pois precisam que elas tenham medo para se poderem manter.
Eu acredito profundamente num Deus ou entidade superior, mas sou absolutamente contra as religiões. Elas impedem-nos de ver tudo o que Deus é na realidade.

Anónimo disse...

1) Suponho que por "segurança" se entende o que sentem os membros de um grupo religioso por partilharem certas crenças, em princípio inquestionáveis dentro do grupo.

Como essas crenças envolvem concepções fundamentais sobre o mundo e os homens, é natural que resulte de não serem postas em dúvida um sentimento de segurança: Em certas questões fundamentais, sabe-se - de certeza certa - o que pensar e o que fazer.

Na minha opinião, essa segurança é ilusória. Em qualquer grupo humano ( e não vejo que os religiosos devam ser excepção ), as crenças, as convicções, o sistema de ideias, os ritos, a organização ( estrutura e princípios ), os hábitos, as atitudes, as prácticas, ... - tudo o que caracteriza o grupo e o cimenta deve estar sujeito a avaliação permanente, aberto à crítica e à possibilidade de revisão e substituição. Tudo isto supõe a liberdade dos membros do grupo.

Claro que se dirá que isto não pode ser assim com grupos religiosos, que, em princípio, detêm verdades intemporais. Eu acho que também se lhes aplica. Claro, pode optar-se pela segurança em detrimento da liberdade. O resultado é a cisão, quando a coisa ainda está viva, ou o definhamento, quando já não diz nada às pessoas.

2) Com a ideia de separar Jesus e o que ele nos propôs do que o homem construiu a pretexto dele, eu ( que sou ateu ) concordo plenamente. Mas é irrealizável. Implica deitar fora as construções teológicas; o clero, como intermediário exclusivo para fazer descer a graça divina nos sacramentos; quase toda a liturgia; o direito canónico e a Igreja-instituição. Ninguém está disposto a deitar fora toda essa tralha pseudo-sagrada.

O que Jesus nos propõe nos Evangelhos é insuportável. Toda essa tralha foi desenvolvida por discípulos assustados, que trataram de reconduzir a proposta ao esquema clássico de uma religião tradicional.

Ele foi - e é - demasiado grande para nós.

ZR.

Mr Fights disse...

Totalmente de acordo com o mikael. ainda bem que sou agnóstico. Embora claro o ser agnóstico reflicta uma certa indecisão da minha parte

Anónimo disse...

Porto, 20 de Março de 2006

\me:

Depois de uma data de tempo a ler o que está para trás, dá para fazer aqui um paralelo entre o blog que desaparece (de facto, não posso dizer muito que nunca li, mas por aparecer aqui ao lado no teu, confio!)? Cá vai!

Estudei num colégio religioso. No meu tempo, uma das coisas mais engraçadas de o frequentar era o que nos era dado a aprender com uma enorme liberdade. Assim, dividia a mesa com uma rapariga hindu. Atrás de mim sentava-se a P. que hoje é bailarina clássica e para isso teve que fugir dos pais. Mas a vida corre-lhe muito bem. Que bom! Foi aí que vi pela primeira vez o Taxi Driver, numa aula…Tive uma professora cega que sabia os Lusíadas de cor.

Um dia disseram-me que os homossexuais não podiam comungar e eu acreditei. Não comungo desde esse dia e olha que sei a data de cor! A minha liberdade acabou aí.

Não é justo que o teu amigo “blogueiro” abandone a sua casa por causa de palavras que outros lhe disseram. Nunca é justo deixarmos a nossa casa por uma afronta. Mesmo quando não nos é directamente dirigida.

Espero ter notícias tuas,
beijinhos
AR

PS – Isto é o mais próximo que consigo do formato de papel!

/me disse...

zibl, ora essa, fico é contente por te poder ler. Não precisas de dizer de onde vens, mas peço-te um favor: depois de escreveres volta aqui e deixa um link para a tua opinião. :)
Se quiseres, claro.
Obrigado pela pergunta, estou óptimo, apenas com imenso sono! E tu? :)

AR, obrigado pela carta! Já há muito tempo que não recebia uma. Sabe bem quando nos escrevem algo em papel, não sabe? Tem algo de diferente, ler a letra da pessoa... Quando escrevo uma carta faço desenhos. São medonhos, que não tenho jeito nenhum para desenhar, mas mesmo assim tento!
Eu estudei num colégio católico.

Até foi bom. :)

Eu não comungo desde que decidi aceitar orientar-me num determinado sentido. Ainda hei-de falar sobre isso aqui...

Relativamente a cartas, sempre tive muita coisa para dizer, mas ninguém a quem o dizer. Os amigos estão sempre cá (no meu coração) é claro, mas eu queria alguém especial a quem dizer o que tinha para dizer. Era um drama. :P
Por causa disso, muitas cartas que escrevi acabaram no meu caixote do lixo. E agora, já não tenho vontade de as escrever. Já até mandar mensagens de telemóvel me custa!

Um beijo,
/me

Mr Fights e Mikael, vocês ainda hão-de "ver a luz". :P

MC, de acordo!

De resto (e desculpem-me que não individualize a resposta, mas de qualquer modo aqui falamos todos com todos, é impraticável eu querer - e não quero! - de algum modo monopolizar a discussão), para mim a religião não é um conjunto de normas. Vai para além disso. A minha opinião está bastante próxima da do (eek, que confusão) Tia Loira said... .

Anónimo disse...

Que me desculpem o dono do blog e os comentadores, mas parece-me que as afirmações de Anselmo Borges foram mal compreendidas. Diz ele que a maioria dos seres humanos prefere a segurança à liberdade. Crentes, ateus ou agnósticos, tanto faz: busca-se mais facilmente um sistema ou um líder securizantes do que libertadores.
A crítica é feita aos ditadores, mas, mais ainda, a quem gosta de viver em ditadura. E antes de cuspir para o ar, seria melhor se cada um de nós se examinasse. Eu, pelo menos, já tive a oportunidade de descobrir algumas telhas de vidro no meu telhado...

/me disse...

Caro anónimo,

Não tens de pedir desculpa pela tua opinião.

Por minha parte, penso que entendi o que o Padre Anselmo Borges disse. Em religião - e não só - é mais "agradável" a sensação de segurança que dá de ter todas as regras bem definidas. Dá segurança acreditar que o uso do preservativo (por exemplo) é um pecado, em qualquer segurança. Pinta a questão de preto e branco, há o certo e o errado, os pecadores e o santos. Só que, claro, não tem grande mérito os vegetarianos não comerem carne à sexta feira - ver a religião como um conjunto de regras é o que já faziam muitos judeus, era o que Cristo criticava. Mas, sem dúvida, é muito seguro ter verdades definitivas. Tanto o é que todos as temos.

Como disse a MC, junta-se a fome com a vontade de comer.

Quanto aos telhados de vidro, eu sei que os tenho. E sente-te à vontade para mos apontar, que agradeço.

Zé Pedro Silva disse...

Impor a segurança é permitir a liberdade. Deles e nossa. Não há liberdade sem segurança. Só fazemos qualquer coisa se, de facto, a pudermos fazer. Primeiro pela liberdade, depois, numa derradeira fase, pela disponibilidade.

Anónimo disse...

Tia Loira:

1) Já tenho idade suficiente para saber que o homem é imperfeito e que a sede de perfeição redunda muitas vezes em asneira grossa. Assim, entendo perfeitamente quer a tua versão do pecado original, quer a tua afirmação que Jesus espera de ti apenas um esforço de aproximação relativa. E concordo, na medida em que, não sendo crente, essas afirmações fazem sentido para mim.

2) O que eu queria dizer era outra coisa, não relativa à relação Jesus/um crente, mas à Igreja.

3) O que cada um vê nos Evangelhos não é o mesmo para todos. Para um crente, sem prejuízo de outras partes, a Paixão terá de certo um lugar central. Eu, que não sou sensível à "verticalidade", sinto-me varrido por uma espécie de vento nos lugares em que Jesus apela ao amor entre os homens por cima de quaisquer barreiras, divisões, reservas, condicionalismos, "ses". Não conheço textos em que de maneira tão convincente - o que não quer dizer discursiva, raciocinante - se dê caça aos egoísmos e se mostre que a nossa felicidade passa por nos apagarmos e servirmos os outros. Esta é, para mim, a proposta dele. Que o amor seja a resposta certa para quem nos não ama é altamente não trivial, contra todo o bom senso, escandaloso mesmo. Mas ele tem razão; por muito insuportável que seja a ideia para o nosso "eu", ele tem razão. ( Eu vejo-me obrigado a usar e abusar da palavra "amor". Tenho consciência disto. Mas tenho que usar palavras para exprimir o que penso; e não conheço outra. )

4) O que eu queria dizer é que esta proposta foi rapidamente "tapada" pela "tralha" que referi. Que o desenvolvimento do Cristianismo se fez em torno de assuntos que nada têm a ver com essa proposta. Que interesse tem para o amor entre os homens que Deus seja uno ou trino? Que o Filho seja ou não consubstancial ao Pai? Que o Espírito Santo provenha só do Pai ou também do Filho? O que é que a mensagem/proposta de Jesus tem a ver com na Eucaristia haver presença real ou simbólica do seu corpo e, se real, com ou sem transubstanciação? Todas estas coisas são intromissões desajeitadas e desastrosas da filosofia, em inteira contradição com a simplicidade de Jesus. São o renascer da velha concepção de religião, explicativa e normativa.

5) Por algumas destas questões, os homens marcharam alegremente para os campos de batalha da Europa nos secs XVI, XVII, e mataram-se uns aos outros seguidores de um homem que pregou o amor entre os homens. Os tempos são outros, dirás. Sim, são - porque a sociedade mudou, não porque a essência das igrejas tenha mudado. Há meses, uma Congregação do Vaticano relembrou que a comunhão não pode ser partilhada com herejes, que não acreditam na presença real e na transubstanciação. Policarpo aplaudiu.

6) Mas o desenvolvimento mais perigoso é o normativo moral, o estabelecimento de catálogos de comportamentos errados. Primeiro, porque é impossível apreciar a priori toda a complexidade de circunstâncias em que o homem é chamado a comportar-se. Depois - e este é o ponto mais grave - porque um juízo de um grupo humano restricto recebe uma dignidade divina e um erro passa à categoria de pecado.

7) Em muitos outros aspectos, o Cristianismo desenvolveu-se sem qualquer relação com o que disse o pretenso fundador. Onde encontras em Jesus a existência de sacerdotes intermediários, necessários aos sacramentos? Onde encontras em Jesus qualquer justificação para a cedência à tentação do poder de César?

8) Eu sei que existem na Igreja pessoas fiéis à mensagem de Jesus. Não são muitas, mas há. Conheci, na minha vida, pessoalmente, duas: a minha prima Julieta e uma Irmã da Caridade, parente longínqua por afinidade. Mas eu conheço milhares de "cristãos"! A maioria são indiferentes religiosos, que reduzem a sua religião à práctica de certos ritos. Outros conhecem o catálogo dos pecados e vigiam os vizinhos. Procurando seguir os ensinamentos de Jesus só as duas que te referi. Talvez eu tenha azar... Mas o que mais me convence que o desenvolvimento das igrejas seguiu o caminho errado é que vejo uma taxa maior de seguidores de Jesus entre os não-crentes ( mas pequenina, claro, muito pequenina ) que entre os crentes. Estarei a ser injusto? Talvez ...

9) Para mim, Jesus é um Mestre, mas não Deus. Deus ordena, a Deus obedeces, Deus é a afirmação absoluta de uma verdade eterna. O Mestre ensina a verdade, na sua evolução, na sua mudança, no seu constante desenvolvimento. Ninguém pode plasmar de uma vez por todas em regras imutáveis as formas de expressão do amor entre os homens.

10) Vejamos - estamos onde estamos, somos quem somos - a questão da homossexualidade. Que pode importar que os homens amem sem atender às fronteiras de sexo/género? Que diferença faz? Amei homens e uma mulher. Em todos os casos, foi o mesmo: uma vontade transbordante de compartilhar as minhas alegrias e as tristezas do outro, de fazer bem e proteger. Que me interessa que as regras estabelecidas por homens tenham sido erigidas à categoria de divinas, como se Deus, caso existisse, se preocupasse com essas minudências?

11) Não conheço nos Evangelhos
nenhuma referência à homossexuailidade; na Torah, sim.
Se houvesse alguma declaração de Jesus contra a homossexualidade, um crente e eu adoptaríamos atitudes diferentes. Ele considerar-se-ia em pecado e remeter-se-ia à misericórdia divina. Eu, considerando Jesus um homem entre os homens, julgaria que ele não tinha conseguido libertar-se dos preconceitos da sua época e da sua sociedade, e ficaria exactamente com a mesma opinião sobre a homossexualidade.

12) Há anos que não falo com ninguém sobre estas coisas; ninguém se interessa por Deus nos tempos que correm. É um erro, porque é preciso falar destes assuntos. Estamos obrigados ao /me pelas oportunidades que nos dá.

ZR.

Anónimo disse...

E lá li o artigo do AB a estas horas, quando já não consigo pensar. Gostei muito - menos de pensamento que não se decapita ir desembocar na transcendência. O meu ponto de vista é diferente. Após muita hesitação, convenci-me que a transcendência é projecção das nossas aspirações. Hoje, não sinto qualquer necessidade dela.
( Já deves estar a dormir: Bons sonhos. )
ZR.

Anónimo disse...

Já chego a esta discussão imensamente tarde, mas como este assunto é atemporal...
Começo por dizer que não gosto deste tema. O ZR diz que é preciso falar de religião... Pode ser, mas então, em forma geral, prefiro abster-me. Simplesmente porque me parece que estamos a falar de um tema tão embrionário na nossa formação que se encontra demasiado enraizado para poder ser observado e reflectido com o devido afastamento, pelo que esta discussão, apesar de nos permitir um exercício de retórica interessante, não conduz a nada. É o chamado "partir pedra"... Acabaremos enriquecidos pelas opiniões uns dos outros mas em nós nada se transformará. Admitamo-lo: é como discutir futebol! Quem é do Benfica continua do Benfica, quem é do Porto continua do Porto...... enfim...
Sou da opinião que a religião é uma herança cultural e tradicional que se arrasta ao longo das gerações precisamente por esta necessidade de protecção e segurança que comentas. A meu ver, alguns de nós estão muito permeáveis a esta crença no divino, seja por que motivo for, e outras menos. Em traços gerais, partilho a opinião do Mindful...
Desde sempre, enquanto humanos, apoiámo-nos no fantástico para explicar o inexplicável, e penso que a religião tem aí a sua raíz e a sua força, para além se se ter establecido como instituição dotada de um poder, sobretudo em alguma épocas, incrível! Para além disso, parece-me que por muito adultos que sejamos, por muito racionais e auto-confiantes, somos muito mais frágeis do que por vezes pensamos, e cada um de nós se refugia em alguma coisa: seja na fé religiosa, seja no conforto familiar, seja na arte... seja na bebida... ;)
Quanto à fé, tenho curiosidade em saber que definição tem no dicionário, mas se fosse eu a fazer a respectiva entrada, escreveria algo como "palavra bonita utilizada para definir a crença infundada e o desejo intenso em algo muito, muito improvável e impossível de demonstrar por métodos científicos." ;)
Petit, lamento que a vida nos tenha conduzido por caminhos divergentes no que respeita à fé, mas se de facto eu estou errado e tu tens razão em crer, pode ser que ainda nos encontremos numa outra vida... Afinal, sou ateu e brinco com coisas sérias, mas não sou mau rapaz... :P

Un petonet!

Enoch