31.3.06

Homofobia


Excerto do hino de campanha da Galp Energia relacionada com o mundial de futebol 2006:

É o retrato de um país aplicado ao futebol.
Tem tudo o que é preciso, só perde por ser mole.
Toca a acordar, pessoal!
Queremos mais garra,
deixar de ficar felizes quando a bola vai à barra.
Vamos com tudo, meter o pé, chutar primeiro,
Que o último a chegar é panel****.
Ter medo deles? Isso era dantes!
Vamos embora encher de orgulho os emigrantes.
Sem esquecer que nas grandes emoções
quando grita um português, gritam logo 15 milhões.



Já enviei o meu protesto para galp@galpenergia.com. Agora fico curioso em ver qual dos jogadores será o último a chegar.

Gosto muito do Ballack. Se ele assinasse pelo Benfica é que era!


Actualização: A GALP decidiu retirar a palavra panel**** da página de internet. 'Bora celebrar, quero ver tudo a pular!! E quem não salta, é panel****... uups...

This modern world



Legenda: As long as you don't flip-flop...



Legenda: Meanwhile, across the galaxy...



Legenda: It has always been this way...

Emoções

Se forem ali (mas voltem), poderão ler um texto sobre como lidar com as emoções, que cita o psicoterapeuta Jaime Graça Machado:

Bem disposto?
– Sempre!Também há pessoas que aprendem a suprimir e a negar os seus sentimentos através de distanciamento e insensibilização em relação a eles. Autodesligam-se dos seus sentimentos sem, contudo, terem consciência disso. Assim, quando essas pessoas são recompensadas socialmente por mascararem as suas emoções, acabam muitas vezes sentindo-se não ouvidas, alienadas, zangadas e deprimidas, sem saberem porquê. As suas vidas podem até parecer correr às mil maravilhas, mas elas sentem-se vazias, não preenchidas. Isto porque estão separadas das suas próprias emoções.

Que fazer com as emoções?
O primeiro passo na gestão das nossas próprias emoções e sentimentos é aceitá-las sem juízos de valor nem de culpabilidades. Ao aceitar as suas emoções e sentimentos está também a aceitar uma parte de si, cheia de força de viver, cheia de sabedoria sobre si próprio e sobre a qualidade das relações que estabelece com os outros, em especial de quem mais ama."


O tema é fundamental. Todos queremos ser felizes, mas às vezes é difícil gerir o que se sente. Prefiro ser cauteloso e não ter grandes certezas neste campo. Quando era miúdo barrei os sentimentos. Envergonhava-me o meu descontrolo; chorava copiosamente para me estar a rir cinco minutos depois. Excesso de empatia? Talvez, mas onde a palavra chave era excesso. Não era sustentável.

Fiz um esforço tremendo para me controlar. Tão grande que pensei ter secado a fonte dos sentimentos. Havia um turbilhão por dentro, pressentia-o, mas demasiadamente profundo para que o conseguisse sentir. Fui de um extremo ao outro. Passei de muito sensível a irritantemente perfeito, com um auto-controlo enorme e inconsciente, nalgumas áreas. De vez em quando, assomava em mim uma ponta de tristeza, insinuante, e sabia estar a viver por procuração. Mas, perdida a chave da cela onde tinha encerrado os sentimentos, já nada dependia de mim.

Acabei por pagar a factura, mais tarde. Numa fase em que a maior parte das pessoas já tinha construído a sua personalidade, uma depressão arrasou a minha. Claro que nem tudo foi abaixo, não se deixa de ser quem se foi, mas tive de reaprender a sentir, a sorrir e finalmente descobrir como lidar com os sentimentos. Foi uma oportunidade única - pude escolher, em grande parte, só de uma vez, quem e como queria ser - mas com um preço elevado. Com o tempo, aprendi a deixar fluir os sentimentos sem me permitir ser dominado por eles. Agora sei suster uma dor ou alegria dentro de mim e ir libertando-a aos poucos. Consigo abrir as portas da barragem quando necessário e apenas permitir a água esgotar-se às gotinhas quando deve ser.

É curioso, o conflito entre a razão e a emoção. Somos animais, não há como mudar isso - sentimos porque sentimos, é da nossa natureza - mas ao mesmo tempo o que nos fez subir na escala da evolução é a inteligência. Não podemos escusar-nos a usá-la, como moderação dos sentimentos, ou melhor, como doseador. Acredito sinceramente que podemos induzir em nós mesmos estados de felicidade ou estados depressivos. É preciso ser bom gestor. Deixar fluir as emoções negativas e aprofundar mais as positivas. Por essa razão, evito músicas, filmes ou livros que me possam puxar para baixo quando não me sinto seguro. Protejo-me como posso. Mas já não me impeço de sentir.

Na minha opinião, o meio termo é a melhor solução. Todos temos direito a sentir alegria, tristeza, gratidão ou mesmo raiva. Reconhecer o que se sente é necessário. Mas é preciso lidar com os sentimentos. E isso pode ser muito complicado. A nossa melhor arma, a inteligência, pode ser o nosso pior inimigo. É só uma questão de saber usar o que temos à nossa disposição. Há quem consiga instintivamente fazer a gestão dos sentimentos, mas creio que o melhor caminho é o auto-conhecimento.

30.3.06

Aritmética da paixão

Decidi-me calcular a percentagem de homens namoráveis na área da Grande Lisboa (a título de exemplo), onde vivem aproximadamente 3 milhões de pessoas.

Destas, cerca de metade (1.5 milhões) serão homens.

- Três em cem destes homens serão homossexuais/bissexuais e suficientemente assumidos perante eles mesmos, o que perfaz um total de 45 mil pessoas.

- Se quinze em cada cem for de uma idade (no sentido lato) compatível com a minha, restam 6750.

- Retire-se os oitenta por cento que andam no engate - ficam 1350.

- Três em dez hão-de atrair-me fisicamente: 405.

- Destes, um em cinco são compatíveis comigo psicologicamente: 81.

- Finalmente, com todas estas qualidades, com cerca de metade, ou seja 40, é possível que eu sinta o tal click.

- Mas, claro, uma boa parte destes estarão já comprometidos.


Onde estarão os restantes 20?

29.3.06

Da Holanda com amor


Reparei que já há algum tempo que não colocava uma imagem aqui. É injusto, e não é justo (esta é a mais recente entrada do livro de estilo), e decidi compensar os meus estimados leitores. Então, fiz uma imagem no paint, no mais autêntico estilo revivalista. Quero com isso dizer que se eu desenhava mal quando era puto, também não aprendi nada entretanto. Mas shhh, isso fica entre nós, ninguém tem de saber. Aos outros dizemos que é revivalista!

"Chamo atenção aos deliciosos pormenores infantis, demonstrativos de uma maturidade artística incomum por parte do artista. Quatro dedos em cada mão, pés ovais. Flores sem folhas, com aspecto murcho, suportadas por caules anoréticos. Ausência de qualquer noção de profundidade ou de luz. Uns "v" a fazer de pássaros. A representação simbólica insípida dos raios de sol.

Esta pintura a píxeis, aparentemente inocente, levanta questões deveras profundas. À primeira vista estas estão escondidas, mas uma análise atenta, tomando necessariamente em conta a vida e obra do artista, expõe metáforas que podem ser levadas aos limites da metafísica e que levantam as mesmas interrogações que têm perturbado os filósofos nas últimas décadas. Trata-se portanto de um trabalho de actualidade, com uma superficialidade profunda, num paradoxo de oxímoros que nos transporta a uma dimensão superior daquela a que estamos habituados."

Eis portanto um desenho fiel a a mim mesmo, coerente com a minha obra até agora, in touch with my inner child, a dar razão às notas não-tão-boas a educação visual.

Dedicado ao amigo a quem prometi dedicar.

O Medo

Eu recuso-me a acompanhar notícias sobre tragédias. Já basta o que tenho de negativo na minha vida - não me estou a queixar; simplesmente não vivo numa redoma -, não preciso de saber pormenores sobre o drama do submarino afundado, do tsunami e menos ainda da senhora de idade que está há cinco anos na lista de espera para ser operada à vista.

Estar informado é bom, mas do essencial ao tétrico distam dois segundos de um telejornal da TVI. Não nego o valor da comunicação social, de forma alguma, mas é uma escolha pessoal. Considero-me suficientemente sensível ao sofrimento alheio para precisar de ver alguém chorar a morte de um filho para me comover. Protejo-me.

Se bem me lembro, no seu filme Bowling for Columbine, Michael Moore defende a tese de que muitos dos comportamentos negativos da sociedade actual são devidos ao medo e acusa a comunicação social de fomentar esse sentimento.

Talvez tenha razão. Um exemplo é a homofobia; não podia deixar de o referir. Mas há quem viva a sua vida toda com medo. Medo de falhar, medo de sofrer. É terrível, quando a própria pessoa sabota as possibilidades que tem de realmente ser feliz, por ter medo de falhar. Impossível não lembrar a frase: façam o favor de ser felizes.

Para além de um paralisador medo de falhar, que tenho de contrariar permanentemente, eu tinha um pequeno medo de alturas. Nada de mais, apenas ligeiras vertigens. Fiando-me no popular "enfrenta os teus medos", aproveitei um dia a oportunidade de estar numa varanda sobre um precipício, com o chão em gradeado, para olhar bem para baixo, saltar, enfim, expurgar o medo. Não ajudou nada, pelo contrário. Não se tornou numa fobia incapacitante, nem de longe, mas piorou.

Julgo que o truque para vencer os medos é simplesmente estar disposto a pagar o preço. Eu sei que para amar alguém terei de correr riscos: se falhar, sofro. Mas amar é tão bom que vale a pena. Eu sei que subir ao cimo de um castelo com as escadas gastas pelo tempo tem o seu quê de perigoso, mas é-o tão pouco que a paisagem vale a pena. Claro que me posso proteger, mas num tanque de guerra não é possível chegar ao cimo do castelo. Quanto muito, poderei usar um colete anti-balas.

A razão não basta, em muitos casos, mas noutros sim. É uma questão de se estar ou não disposto a correr o risco. Mas, muitas vezes, as pessoas enganam-se a si mesmas. Dizem ter demasiado medo para procurar o que querem, mas continuam a fazê-lo, sem conseguir arriscar o suficiente para poderem realmente atingir o que querem. É um ciclo, porque assim ficam mais frustradas, e reforçam o medo. Vão-o alimentando mais, com o tempo. Choca-me especialmente as pessoas que vão de relação sexual em relação sexual, de uns para outros, mas realmente procuram é amar e ser amados. Vão usando e sendo usados, que é possivelmente até aquilo de que fugiam.

Por fim, é óbvio que não sei nada de psicologia. Mas uma coisa eu sei: não quero que a minha vida seja regida pelo medo.

27.3.06

História

Segundo John Boswell, uma diferença significativa entre homossexuais e outras comunidades perseguidas em determinados períodos históricos, como os judeus ou os negros, é que os primeiros não têm história.

Em comunidades bem definidas e identificadas, é de esperar que os conhecimentos passem de pais para filhos. É fácil para um judeu ter consciência histórica. Quanto aos homossexuais, vivendo isoladamente e não em guetos, geralmente a história começa no seu nascimento. Não há noção do que aconteceu antes, de como noutras culturas e noutros locais se viveu a diferença de orientação sexual.

Se hoje começa a haver estudos sobre a história da homossexualidade, não é menos verdade que a transmissão de conhecimentos sobre a mesma não assenta numa lógica de convivência natural entre várias gerações. Creio que este tem sido e é um factor facilitador da homofobia, e potenciador de muito sofrimento.

Personalizando a conversa, a certa altura da minha vida senti a necessidade de saber o que sentiam os outros que eram como eu. Como lidavam com a sua sexualidade. O que pensavam. A necessidade, premente, foi saciada pela internet. Não fosse a mesma, e ter-me-ia sentido imensamente só. Não faço ideia como teria evoluído a minha personalidade, ou quão longe teria chegado o meu conhecimento próprio.

Como era antes da Internet? Como é que as pessoas se conheciam, a si mesmas e às outras, como se relacionavam? Que expectativas tinham? Que condicionantes? É curioso, tento ler sobre o que se passava na Grécia antiga e noutras culturas e tempos, mas não tenho grande ideia sobre as vivências de quem hoje tem 35, 50 ou 65 anos.

Deixo assim as seguintes perguntas a quem quiser responder (comentando, ou por e-mail, ou ainda nos respectivos blogs):

1- Fazes ideia sobre como é que pessoas de gerações anteriores à tua descobriram e viveram a sua sexualidade? Sou só eu o ignorante nesses assuntos?

2- Como descobriste tu a tua sexualidade? Como lidaste com ela, perante ti mesmo? Como reagiram os que te rodeavam?


Desculpem, ando um bocado repetitivo.

A ver noutros blogs: dcg, zibl (uma partilha a não perder!!!).

26.3.06

Redoma

Queria

- dormir num quarto com telhado de vidro, para poder ver o céu e ouvir bater a chuva, ao adormecer, na segurança quente da cama.

- fazer bungee jumping, deixar-me cair na certeza de ser puxado para cima na altura certa.

- poder ver os filmes mais tristes do mundo, sem me preocupar como me iria sentir a seguir.

- saltar em cima da cama, em roupa interior, como se não pudesse vir a estragar o colchão.

- abrir os braços e correr meia cidade a fazer de aviãozinho, independentemente de quem estivesse a ver.



Não, não é isso. Na verdade, o que eu queria era um abraço que me fizesse sentir assim seguro. Poder sorrir a sério outra vez, com toda a alma. Voltar a viver a plenitude da vida. Amar.

24.3.06

Más allá del pecado



O blog Más allá del pecado tem como imagem um ícone curioso, que se relaciona com a história do casal de santos mártires Baco e Sérgio, que como se pode ler, "viveu durante o reinado do imperador Maximiano (286-306-8 A.D.)", tendo-se tornado "exemplo de amor entre dois homens".

São Sérgio e São Baco terão sido importantes militares, e declaradamente amantes, segundo o historiador John Boswell. Foram condenados à morte após terem admitido serem cristãos, numa altura em que estes ainda eram perseguidos. O seu dia comemora-se a 7 de Outubro.

Gado

Exemplos do dia:

1- DN:

O Governo desistiu da intenção de obrigar os desempregados subsidiados a permanecerem duas horas por dia em casa, de modo a limitar a hipótese de acumulação fraudulenta do subsídio com trabalho e a facilitar as inspecções, apurou o DN.

Ao menos desistiram, ao ver que não pegava. Mas só o pensar nisso já deve violar meia dúzia de "direitos garantidos" do 25 de Abril.

2- Visão:

O Governo está a estudar a possibilidade de o selo do carro ser comprado obrigatoriamente através da Internet mas o grupo de trabalho que está a avaliar o processo ainda não tomou uma decisão, disse fonte oficial à agência Lusa.

Ah bom, e depois é só importar novos portugueses da Finlândia. Assim até se pode mudar logo o sistema de ensino.


A sensibilidade deste governo é comovente. Como se liderar pessoas fosse o mesmo que lidar com gado. Mas pronto, depois do Santana, já se perdoa tudo. A falta de alternativas faz o resto. Apetece-me fazer como o antigo presidente da república e espetar cinco palavrões de seguida. Mas, ao contrário dele, suspeito que o meu telefone não esteja sob escuta. Ora bolas.

23.3.06

Greve

Efectivamente, não está em mim fazer greves. Já contei o meu trauma infantil com as mesmas. Não me lembro de alguma vez imaginar que o mundo era perfeito, mas confesso a minha desilusão quando aquela professora me disse que o objectivo das greves era prejudicar os outros, para assim os alertar.

Eu tinha noção de que era palermice o que a senhora proferia; o que não imaginava era que alguém fosse capaz de pensar algo desse calibre e nem sequer o disfarçar.

Quem me redimiu, largos anos depois, foi a minha professora de matemática do 10º e 11º anos. Num dia de greve em que todos os professores faltaram, ela lá estava, como sempre, a encher o quadro de letras e números antes de sequer termos tempo de nos sentarmos. Nessa aula, deixou a porta da sala aberta. Ao passar a funcionária, pediu-lhe "marque-me falta, por favor - estou a fazer greve". Quando lhe perguntámos porque dava aula então, explicou que não tínhamos culpa nenhuma, e que não tinha o direito de nos prejudicar.

Claro, cada um faz greve como quer, e ela não tinha esta obrigação. Mas esta Mulher mostrou-me que mesmo que em cada 100 pessoas, 99 sejam palermas, só pela outra vale tudo a pena. Se a encontrar, digo-lhe isto. Ela merece.

Caligrafia

Nunca fui capaz de alinhar numa greve. Melhor, nunca quis. Aquelas em que podia ter participado - "luta" contra os exames do secundário, contra as propinas ou outras no contexto do ensino superior - nunca concordei realmente com elas. Ganhei uma grande aversão a greves no dia em que uma professora me disse que o objectivo das mesmas era prejudicar terceiros (cortando estradas, etc.), para assim fazer toda a sociedade reflectir. Não fiquei muito convencido com o conceito de solidariedade forçada. Aliás, a maior alegria que jamais uma greve me deu foi quando uma amiga minha, professora no seu primeiro ano de aulas, pediu o altifalante emprestado ao dirigente associativo que entrou a berrar na aula dela. Perante a surpresa de meia dúzia de rapazes barulhentos vestidos à século XIX, disse que não tinham o direito de lhe perturbar a aula, que ninguém era obrigado a estar lá. Obviamente, respeitaram-na - tirando a parte de lhe terem entrado de rompante na sala, a berrar, coisa que não foram capazes de fazer com professores mais velhos.

Ultrapassado o meu trauma com greves, preparei-me para fazer uma, de uns poucos dias, ao Minudências e Lugares Comuns. Preciso de descansar um pouco, a vida tem de ser mais que um monitor de um computador. Parece, porém, que o meu destino é ser fura-greves... Um serendipismo levou-me a um teste de caligrafia e não consegui resistir a partilhar os resultados.

Infelizmente de há alguns anos largos para cá que escrevo com letra de computador, tudo em maiúsculas, para que me entendam. Temo por isso que o teste não se aplique inteiramente. Mas eis os resultados obtidos da análise da minha caligrafia antiga:

A inclinação de sua letra mostra que você tende a ser uma pessoa extrovertida, sociável e afetuosa. A ligação de sua letra revela organização, raciocínio lógico e razoável capacidade de adaptação. A direção de sua letra indica controle, constância e organização, especialmente nas tarefas cotidianas. A pressão que usa ao escrever sinaliza estabilidade e equilíbrio. As áreas valorizadas na sua escrita destacam idealismo, erudição, preocupação com seu crescimento interior. A forma de sua letra demonstra conservadorismo, formalidade e uma certa frieza em seus relacionamentos sociais. Tende a esconder sentimentos.

Quem me conhecer que confirma ou desminta. Eu recuso aceitar que a minha personalidade possa ser descrita em oito linhas (embora tenha feito o teste com avidez, para poder ler essas mesmas linhas)! Mas reconheço que me revejo nalgumas coisas. Noutras, nada.

22.3.06

Baleia explosiva

E se uma baleia lhe morrer na praia?



Problemas a ver o vídeo?

Estamos encerrados

Hoje apenas me queria ausentar de mim, poder não ser eu por um dia. Descansar dos meus problemas, das minhas responsabilidades. Não ter de trabalhar, telefonar à minha mãe, comprar senhas de autocarro, fazer o jantar, perceber-me a mim mesmo. É um turbilhão por dentro e por fora, tanta coisa em simultâneo, que me sinto perdido. Anseio por paz.

Queria fugir, ser eremita, reencontrar o equilíbrio perdido. E depois sim, de cara lavada, enfrentar o mundo, e não mais a mim mesmo. São tantas coisas ao mesmo tempo! Tantas solicitações, tantas necessidades, tanto fogo por apagar. Hoje deixem-me descansar. Amanhã pode ser tudo outra vez, mas hoje não consigo.

21.3.06

Religião II

Ainda a propósito do texto do Padre Anselmo Borges, dou-lhe razão. É muito mais fácil aceitar a segurança de uma verdade construída que ter a responsabilidade de se ser livre. É muito arriscado, ser-se livre. Cometem-se erros, é-se criticado, é-se obrigado a pensar. Mas Cristo concedeu-nos liberdade. Às regras antigas contrapôs um mandamento novo: "amai-vos uns aos outros".

Assim sendo, o que é mais importante? Cito um amigo meu: "A autoridade da Igreja, que eu, naturalmente, aceito, centra-se nas matérias de fé. Querer fazer de tudo um dogma desvaloriza o essencial. Caberia lembrar aqui as palavras de Santo Agostinho: “Unidade no essencial, liberdade na dúvida e caridade em tudo”".

Assim sendo, talvez se possa medir o papismo de uma pessoa*, mas não se pode ser mais ou menos cristão. Ou se é, ou não se é, e para se ser basta seguir a Cristo. E nisso, a consciência está antes das regras. Aliás, creio que isso vale tanto para cristãos como ateus ou agnósticos.

O problema para os cristãos homossexuais é que se sentem muitas vezes órfãos de uma Igreja que lhes é hostil. E, muitas vezes, sentem-se atacados por todos os lados, como se fossem incoerentes - já me referi a isso. Era infinitamente mais fácil escolher a segurança de qualquer um dos lados - a repressão de uma Fé vivida em sentido estricto ou a sua rejeição. Mas ser livre tem destas coisas: escolhemos o nosso próprio caminho. Neste, tudo tem de ser construído. São poucas as certezas e muitas as dúvidas.

* Ia propor um sistema de 0 a 100, tomando uma determinada pessoa para 100, mas apesar de ser uma figura pública, acho deselegante. Raios partam o meu sistema ético...

Moralidades


É curioso como relativizamos os nossos sistemas éticos. Roubar é muito grave, mas piratear... é que a Microsoft cobra preços estupidamente altos! E eu até comprava aquele CD, mas sabes quanto dinheiro vai realmente para o artista?

Se a pirataria é universal, há distorções morais restrictas a espaços geográficos mais bem definidos. Por exemplo, na Holanda é normal comprar bicicletas roubadas. Vai-se à estação e espera-se no mesmo lugar até ser abordado. Depois, é discutir o preço e especificar o tipo de bicicleta. Uns minutos e um cadeado partido depois, a transacção pode ser efectuada.

Na realidade, o normal é conhecer um amigo de um amigo que tem um amigo cujo amigo vende bicicletas estranhamente baratas. Não é costume pronunciar a palavra roubadas, embora todos a subentendam... Hoje, porém, um colega contou-me a forma mais original de roubar, ainda que inadvertidamente, uma bicicleta. Há uns tempos, pareceu-lhe reconhecer a bicicleta que lhe havia sido roubada um mês antes. Telefonou à polícia, que arrombou o cadeado. No caminho para casa, o meu colega apercebeu-se de que a bicicleta afinal não seria a dele. Uups...

20.3.06

Religião

Diz Anselmo Borges, num comentário a ler no DN:

"Os seres humanos são, por natureza, frágeis, carentes e, por isso, é quase inevitável que, entre a liberdade e a segurança, a maioria não hesite em escolher a segurança."

Teremos esse direito, em religião? Mais, teremos o direito de impôr o nosso conceito de segurança aos outros, em detrimento da sua liberdade?

Roupa suja

No ano anterior ao último do ensino secundário, tive um professor péssimo. Não só passava as aulas a falar da sua vida pessoal - aliás desinteressante -, como tinha um sistema de avaliação pseudo-objectivo, que na realidade manipulava a seu bel-prazer.

Eu não podia com o homem. Achava-o injusto, patético, demagógico, falso e até perigoso. Não suportava os seus incentivos à bajulação e à competição desenfreada ou a sua falta de profissionalismo. Mais tarde, vim a saber tratar-se de uma pessoa desequilibrada.

O pior é que ele parecia gostar de mim. Se calhar achou curiosa a minha frieza educada, suponho que não a entendeu. Chegou-me a elogiar, até um dia perceber que eu não jogava o jogo dele. Foi um processo lento e progressivo, mas inevitável, até entrar na lista negra do homem.

Num dos últimos dias de aulas, num exame oral (no secundário!), o stôr perguntou-me apenas perguntas ambíguas para me conseguir baixar a nota*. Tinha a faca e o queijo na mão e adulterou todas as regras de honestidade mental. Submeti-me a tudo. No fim, pedi a palavra. Levantei-me e disse-lhe que ele tinha agido de má fé, comigo e com outros colegas. Que era tudo propositado. Que era vergonhoso um professor agir daquela forma. E voltei-me a sentar. Sabia que apenas tinha a perder, que era a parte fraca, mas quis dizer-lhe tudo, cara a cara.

Age-se assim quando se sabe ter razão. Saber que estamos certos muitas vezes compensa o que se perde ao confrontar as pessoas. O que não compreendo é quando se desferem ataques ao abrigo da anonimidade. É falta de coragem ou, mais frequentemente, falta de razão. Foi o que aconteceu ao Zé Beirão, foi alvo da cobardia alheia. Alguém deixou comentários desagradáveis no seu blog, dirigidos a uma qualquer outra pessoa, mas não por isso menos antipáticos. Resultado: o perdeu a vontade de continuar com o seu blog. Para não permitir que na sua "casa" alguém fosse insultado. Para ti, , um abraço solidário.

* No fim, ganhei eu. Perdi uma semana de férias a estudar para o exame de melhoria da disciplina, mas acabei com a nota que merecia.

19.3.06

Olha o telemóvel!



Tão depressa estou grato ao meu telemóvel como só me apetece afogá-lo sanita abaixo (flushhhh). Mas não convém; ainda há duas semanas me entrou o senhorio de charuto em riste casa adentro, a verificar as canalizações. Apenas mudou a água ao autoclismo umas quatro vezes, mas foi o suficiente para deixar um cheiro pior dentro de casa que fora, onde os esgotos estavam a ser limpos a céu aberto. O drama é que o mesmo instrumento que me liga ao mundo inferniza-me a vida. Tenho mais momentos de sossego no meu próprio país, que aqui, a muitos quilómetros de distância.

Claro, podia deixar o bicho em casa. Podia não lhe carregar a bateria. Mas já habituei todos a responder. O hábito aumenta as expectativas. Tomam por garantido que vou atender. Se não o faço, é um ai Jesus que deve ter caído por uma ribanceira abaixo ou mesmo caído da bicicleta sem razão*, ou porque é que ele não me atende a mim, estará chateado?

Hão-de ver se não arranjo uma bateria estragada que esteja constantemente a ir abaixo... Ou se não mudo para uma rede que tenha má cobertura nesta cidade. Chego a ter saudades dos tempos em que se telefonava das cabines públicas e se trocavam cartas! E eu escrevia tantas. Foi assim que mais aprendi espanhol, foi assim que mais aprendi a conhecer-me. Num pedaço de papel cabe mais da alma que o computador mais avançado alguma vez terá a capacidade de captar. Foram tantas, as cartas, as que chegaram ao destino e mais ainda as que acabaram rasgadas no caixote de lixo. Como cheguei a esta situação, reduzido a mails e chamadas telefónicas? Como dizia o outro a explicar a sua falência, primeiro aconteceu gradualmente, e depois de repente. Foi algo assim.

O problema é que cão que ladra não morde. Menos ainda quando acabou de receber uma chamada de um grande amigo de outro continente. Acabo por ter de dar graças pelo maldito telemóvel.

* Não que isso me aconteça, claro! Nos únicos registos que há, em toda a minha vida, de quedas da bicicleta, as culpas foram atribuídas ao muro que não saíu da frente, às linhas do caminho de ferro, ao gelo que estava na estrada e a um pneu que rebentou.

18.3.06

Sacos


Quando era puto, media o grau de civilização de uma cidade pelo número de Macdonald's e número de escadas rolantes que esta tinha. Em Londres, aprendi a substituir o critério quantitativo das escadas rolantes pelo facto de as pessoas cumprirem a regra "stand on the right, walk on the left", deixando sempre o lado esquerdo para os mais apressados. Quanto ao número de Macdonald's, ganhei juízo (e, creio, bom gosto). Agora para além do critério comportamento-nas-escadas-rolantes, tenho outros, igualmente subjectivos. Demasiados para descrever num só texto. Bom, nem tanto, mas o Sol brilha lá fora e tenho de o ir aproveitar!

Hoje fui comprar um livro de banda desenhada japonesa, uma manga chamada Rorouni Kenshin. É uma banda desenhada que se lê da direita para a esquerda, e como tem muitas particularidades próprias da cultura japonesa, satisfaço a criança em mim (que anda sempre esfomeada de atenção!) sem parecer muito infantil. É assim como colocar um escorrega num prédio de escritórios de advogados e chamar-lhe exercício de segurança para a eventualidade de incêndios. Adoro imaginar os pobres engravatados a morderem-se todos para não exteriorizar o grito weeeeeeeeee.

O rapazito da loja já me conhece. Da primeira vez que lá comprei um livro, ele perguntou-me se queria um saco de plástico ou de papel. Respondi-lhe que queria o que poluísse menos. Ele não sabia qual era, nem eu. O de plástico pode reutilizar-se, o de papel depende. Ficou combinado que começaria sempre a levar o meu próprio saco. Hoje esqueci-me eu, mas lembrou-se ele, e puxou-me as orelhas com as palavras e um sorriso. Pediu-me para que da próxima vez eu leve dois sacos, um para transportar os livros, o outro para eles reutilizarem na loja.

Já nos supermercados nos fazem pagar os sacos que usamos. O ambiente agradece. Afinal, que custa levar um saco de casa? Esta conta para os meus critérios de grau de civilização...

Graças ao M., este blog já tem música. Não começa automaticamente, quem a quiser ouvir tem de carregar no play, na barra à direita.

17.3.06

Tentativa


Primeiro são as cócegas. Difusas, quase imaginárias, mas insinuantes. Semicerro os olhos e a boca, uns ao contrário da outra, que os primeiros estavam abertos e a segunda fechada. Instintivamente aspiro ar. A cabeça inclina-se para trás, a equilibrar o peso crescente da zona frontal do cérebro. As cócegas intensificam-se. Os olhos humedecem, arrepiam-se* enquanto progressivamente se vão fechando. É como um orgasmo que não se sabe se realmente irá chegar. O ar que aspirei deveria ser suficiente. Vai falhar... Olho para a luz da sala, que me disseram que a luz ajuda à concretização. Continuo a inspirar, devagarinho, como que a chamá-lo. Mas o espirro não vem. Molham-se mais os olhos, fica mais pesada a cabeça, permanecem as cócegas, mas não há espirro.

Ora bolas! Odeio a sensação que permanece depois de um espirro falhado.

É difícil descrever um espirro (ainda que falhado) de memória! Para além de não me chegar - ou não saber usar - o meu vocabulário... Principalmente para descrever aquilo que acontece aos olhos - *. Alguém consegue fazer uma descrição melhor?

16.3.06

Provocação



[...]
But I see your true colors
Shining through
[...]

Banda sonora (têm de imaginar): True Colors, de Cindy Lauper.

Optimismo

Excesso de informação


Aviso: Não aconselhável a pessoas facilmente enojáveis.

Esta noite adormeci tarde. Curiosamente, quando estamos mais cansados descansamos pior. É um ciclo vicioso, que apenas pode ser invertido com persistência. Após meia dúzia de pesadelos, acabei por acordar às 5 da manhã cheio de frio. No virar e revirar do sono, tinha destapado a parte esquerda do corpo. Ao tocar-lhe, parecia coisa de morto, tão frio que estava.

Tapei-me e fechei os olhos com muita força, como que a chamar Morfeu. Tentei ignorar a dor de cabeça e o frio que me atormentavam, até porque debaixo dos cobertores logo aqueceria. Porém, nunca conseguiria adormecer: tinha o nariz entupido! Como o fio do pensamento estava completamente emaranhado no sono, peguei no meu Vicks Vapospray, e sem sequer me assoar antes despejei aquilo pela narina abaixo.

- Hellooo, sleepy boy? Primeiro assoas-te, depois usas o vaporizador como vaporizador, não é para espremeres o frasco todo!!!

Aquilo escorreu-me pela cara, e de repente era frio, dor de cabeça, sono, nariz entupido e Vicks vapospray a escorrer-me pela cara e em quantidades industriais no nariz! Saí da cama num pulo e lá me fui assoar, entre grunhos e resmungos. Lavei a cara e voltei para a cama. Com frio, dor de cabeça e sono mas sem nariz entupido nem Vicks vapospray. E, claro, ainda a resmungar...

Pronto, apeteceu-me partilhar...

15.3.06

Fazer a diferença



Eu gostava de mudar o mundo...

Um amigo disse-me que apenas me posso mudar a mim mesmo. Seja. Então, no mínimo, posso mudar somente o meu próprio mundo. Mas, se este incluir duas pessoas, já é uma a mais que eu.

Os pessimistas dirão ser uma gota no oceano; eu prefiro pensar na versão positiva da borboleta a bater as asas no outro lado do planeta.

Lost in Translation



Legenda: Air conditioning fixing using desenrascanço.

O dcg diz que para além da saudade, há mais uma palavra portuguesa que não se pode traduzir: desenrascanço.

Isso lembrou-me - e o Vasco Pulido Valente não me ouça! - de um texto de Clara Ferreira Alves que versava sobre uma outra palavra intraduzível: chulé. Perguntava ela qual seria a necessidade de um povo de ter uma palavra própria para o odor dos pés?

Já agora, como se dirá cunha em inglês?

14.3.06

Choro e ranger de dentes

Confunde-me a facilidade com que despimos a pele de civilizados. Por caricaturas, jogos de futebol ou outras rivalidades, cometem-se atrocidades. Mas se esses fenómenos ainda consigo entender (mas não aceitar), algo que me tira do sério é a política do "olho por olho, dente por dente".

Tenho para mim que o ataque de 11 de Setembro foi uma oportunidade perdida para o mundo contemporâneo. Tivesse o discurso do presidente Bush exigido justiça e não vingança, se calhar viveríamos num mundo bem diferente, para melhor. Mas não, na hora agá, o homem prometeu vingança, assim mesmo, vingança. Perdeu uma oportunidade de ouro. E deu um péssimo exemplo.

É um excepcional avanço civilizacional ter um sistema de Justiça que impeça a justiça popular e guarde, ainda que pouco mais que em princípio, espaço para a reabilitação dos criminosos. Aqui tenho de pôr de lado a minha desconfiança quanto às pessoas de Direito - e à sua* capacidade incomum de defender tanto um ponto quanto o seu contrário, consoante os seus interesses - e tirar-lhes o meu chapéu.

Esclarecido que está que não acredito na vingança, restam-me dúvidas sobre o Perdão. Toda a vida fui ensinado a acreditar que devemos perdoar tudo e todos. Mas afinal, o que é perdoar? Será simplesmente a ausência de vingança, a não retaliação? Não é certamente o esquecimento. Também não me parece que seja confiar, ou dar uma segunda oportunidade. Perdoar é apagar a dor que se sente no coração? Pode-se perdoar quem não está arrependido?

Não sei o que é o Perdão.

* Salvo seja, que cada um é como cada qual.

Análise Complexa


Onde encontrar mais tiras engraçadas.

13.3.06

Nouvelle cuisine

Alguém é servido?
(preparação e apresentação: /me; foto: amigo A.)

A realidade e o reflexo


(obrigado, A.)

12.3.06

Pedofilia

Quando era miúdo, lembro-me de adultos que me deixavam desconfortáveis. Era algo intuitivo, que não entendia, mas que me fazia receá-los. A forma como estranhos me olhavam, as atitudes de um determinado professor, alguns gestos ansiosamente amigáveis por parte desta ou daquela pessoa confundiam-me.

Aos 11 anos, uma abordagem explícita - mas mal sucedida - perturbou um pouco a minha inocência. Apesar de ter entendido o que se passou, não quis ou não pude pensar sobre isso, deixando as perguntas para mais tarde. Quando chegou a altura de me perceber a mim, falando com outras pessoas, cheguei à conclusão que a percentagem de pessoas vítimas de pedofilia, consumada ou tentada, é enorme.

Agora que olho para o passado, interrogo-me se esses adultos que me deixavam desconfortáveis seriam também pedófilos, ou se se sentiriam atraídos por crianças/adolescentes. Seria a minha imaginação delirante, ou o mundo é mesmo um local perigosíssimo para os mais novos?

11.3.06

The internet is for...

As coisas que se encontram por ...

Barragem


Na minha escola, quando chovia, a água desenhava sulcos superficiais no caminho de areia, pelos quais corria. O divertimento, nos intervalos, era construir pequenas barragens de areia que impedissem a água de prosseguir. A luta era inglória, claro, mas por uns breves instantes ilusórios, éramos os senhores da água, pequenos domadores da natureza. O suficiente para compensar as meias molhadas na aula seguinte.

Na altura, via a minha vida como uma série de barragens de areia, que eu procurava manter. Pressentia já que a chuva acabaria por vencer... Nunca poderia manter todas aquelas barragens invioladas, principalmente quando via aumentar o volume de água.

A percepção da inevitabilidade, embora me assustasse, não mudava nada. Apenas procurava ganhar tempo. Sabia que mais cedo ou mais tarde, a água romperia uma barragem. E esse seria o ponto de viragem, com o qual não saberia lidar. Sempre tinha sido perfeito, nada podia falhar. Então corria a reforçar esta e outra barragens, num omnipresente receio de ver tudo desmoronar.

Eram as notas, a família, a religião, a sexualidade, tantas coisas. Sofre-se quando se quer controlar tudo, como se isso fosse possível. Ainda dei o meu melhor, mas um dia a água ganhou. É inútil lutar contra o que tem de ser. Nessa altura, desisti de mim, só para muito mais tarde me recuperar. Gradualmente mudei por fora, enquanto por dentro ardi, para das cinzas me ir refazendo. Não seria possível de outro modo.

Agora que tenho barragens de betão e controlo os fluxos com as comportas, em vez de tentar impedir o natural curso da água, é raro haver inundações ou secas. Mesmo assim, às vezes volto ao mesmo. Hoje reencontrei uma pessoa que me magoou muito no passado. Por largos minutos, desorientei-me, e ao tentar lidar com essa barragem, negligenciei as outras. Mas já está tudo resolvido. Agora, é só limpar a lama que ficou.

10.3.06

Confissão



Preferia ser hetero.

Não foi por falta de tentar...

9.3.06

O drama do armário



- Eu quero-te contar uma coisa, mas prometes que não vais levar a mal? Promete!

- Tu deixavas de gostar de mim se eu fosse um assassino?

- Eu já tentei contar-te muitas vezes, mas nunca consegui!

- Não é justo não te contar, mas se calhar até preferias não saber.

- Pronto, esquece, também não é nada de importante.

- Deixavas de me falar se tivesse SIDA?

- Não, não fiz nada de mal! Quer dizer, se calhar vais achar que sim. É algo sobre mim, não sobre o que faço, mas o que sou, ou como sou.

- Quero-te contar mas não consigo!

Olá, eu sou o /me e gosto de homens.

É tão complicado o coming out* para amigos... Às vezes já nem é de não saber como vão reagir. É que o segredo acumulou pó e anos, e há remorsos de não ter contado antes. Seria justo. Depois há todas as situações do passado: as noites dormidas no mesmo quarto, abraços, a história sobre a Luísa que afinal era Luís. Como explicar que nunca houve segundas intenções, que aquilo era a sinceridade possível, que nunca deixei de ser eu apesar de nunca ter sido inteiramente eu, que a amizade apenas tem a crescer?

Depois, quanto melhor é o amigo, mais difícil é. A amizade pode já ser tão boa que não se pede mais nada. Resta é a obrigação de ser sincero e a certeza de que é um passo necessário. Mas é tudo tão pouco fluido, tudo tão confuso, são tantas as razões para esconder e em simultâneo tantas para revelar. É uma arte escolher o momento em que a mentira inicialmente necessária deve ser desmontada.

No caso do meu melhor amigo, contei-lhe o ano passado. Ele reagiu com a dignidade e afecto como sempre se comporta. Quem estava em falta era eu, porque ele já merecia saber - e tenho noção disso. Mesmo assim, o processo é lento, é difícil mudar o registo que se tem com uma pessoa. Fui-lhe contando as coisas por alto, mas é tão terrivelmente difícil ir para além disso. Nisso, os medos e preconceitos têm sido inteiramente meus. Do lado dele, apenas amizade.

Mostrei-lhe hoje este meu blog. Novamente, reagiu como já sabia. Sinto aquele misto de nervosismo e sensação de alívio. A minha vida vai-se unificando, o que só pode ser bom.

Como já disse antes, há amigos que podemos tomar por garantidos, e ainda bem. Mesmo que às vezes, como tenho feito, precisemos de muito tempo para lhes dar o que é devido.

* as frases que escrevi em cima são a título meramente ilustrativo!

Pulso



Num texto recente, descrevi como, sem razão aparente, caí da bicicleta e magoei o pulso da mão direita.

Ora para quem usa a bicicleta como meio de transporte todos os dias há mais de dois anos, cair sem justificação é humilhante. Atenta contra a minha virilidade! Infelizmente, na impossibilidade de nomear insípidas comissões de inquérito (que, como prova Camarate, também não serviriam de muito), tive de me resignar: não sou suficientemente homem para me manter na bicicleta.

Não imaginam o drama, o horror, a tragédia, a baixa auto-estima e a conta elevada do psicólogo. Perder o cabelo ou ser despedido ainda é de homem, mas saber que tinha caído da bicicleta sem que houvesse gelo ou areia e sem sequer ter sido empurrado por uma rajadinha de vento fazia-me cabisbaixo e triste.

Hoje, porém, volto a erguer a cabeça! Ao pegar pela primeira vez na bicicleta após o trágico acidente verifico que a roda traseira estava completamente vazia. Um furo! Eis a razão cientificamente comprovada para o que aconteceu. Certamente que a falha na câmara de ar provocou um desequilíbrio no sistema homem-bicicleta que culminou na posterior perda de controlo e espalhafatosa queda.

A minha honra de macho latino está salva! E melhor ainda, tenho uma boa justificação para usar aquelas bandas de pulso da nike (a minha é preta), que acho bué sexies.

Insensibilidade

Ainda menino, fui operado ao apêndice. Na primeira vez que voltei a andar na rua, ainda dorido mas sem que isso fosse exteriormente visível, uma velha apressada deu-me um encontrão, à saída da missa. Foi a vingança da beata, que por uma vez estava em melhores condições que o jovem.

Mais crescido, num período em que estava mergulhado numa depressão muito profunda, um professor dirigiu-se a um grupo que ficou para lhe fazer perguntas: "há alunos que se acham muito inteligentes. Pensam que não é preciso ter atenção nas aulas, só que depois apanham uma surpresa no segundo exame. A nota do primeiro não garante nada". O homem, que me fitava directamente nos olhos enquanto dizia isto e se referia apenas a mim, não imaginava que para mim a dificuldade já não era estar atento, mas sim viver. Era-me impossível controlar a ansiedade e dor que sentia, quanto mais pensar em definições e demonstrações.

As aparências enganam. E se é fácil dar por ela quando a fazem a nós, imagino a quantidade de vezes que seremos elefantes nas lojas de porcelanas alheias...

Paridade

Li aqui que foi "[...] com a Constituição na mão que José Sócrates justificou ontem a necessidade da lei [da paridade para] promover a igualdade." Segundo o nosso primeiro ministro, "A Constituição manda que haja esta lei. Não diz que devemos dar tempo ao tempo".

Ainda bem que o argumento de uma determinada questão não ser prioritária não vale para todas as discussões políticas. A Constituição, tal como os discursos do Presidente da República, serve para o que se quer e quando se quer. Nos outros casos, chuta-se para canto. Ou se calhar, temos um primeiro-ministro que não precisa de discutir as questões: a forma correcta de interpretar a Constituição é a dele, ponto final. Habituem-se.

Posto isto, senti a necessidade de ir ver a lista de ministros. No total de 16, apenas 2 são mulheres. Curioso como os políticos são pródigos em actuar contrariamente ao que defendem.

Na minha opinião, este é mais um assunto que está a ser tratado pela rama. Se há discriminação ou desigualdade, que se elimine. Agora promover artificialmente carreiras como as de Edite Estrela, Maria de Belém ou Elisa Ferreira, no, grazie. Eu até prefiro ser mandado por uma mulher, mas se for pelos seus lindos olhos e não pelas suas capacidades, não.

Por outro lado, há ainda na nossa sociedade uma mentalidade discriminadora. Eu tinha uma colega de curso bem melhor do que qualquer rapaz e os professores diziam sempre que ela era muito trabalhadora, enquanto os melhores entre os rapazes eram muito inteligentes. E se ela era mesmo muito trabalhadora, em inteligência ficava anos-luz à frente de todos os outros rapazes.

Dito isto, acho que seria muito mais eficaz (e cumpridor da Constituição, eheh) se para o próprio governo tivessem sido escolhidas as pessoas mais competentes, em vez de serem aplicados os habituais critérios. Certamente que haveria muito mais mulheres. Também gostava de ver os tais projectos do PCP que prevêm "medidas de reforço da participação cívica e política das mulheres" e estabelecem "um novo regime de prestações familiares e um subsídio social de maternidade e paternidade".

8.3.06

Would you light my candle?

Não vale a pena mentir. Queremos o pacote completo: acordar nos braços de alguém, encostar a cara ao seu peito, ter o pequeno almoço na cama, começar o dia de trabalho com esse Amor. Receber uma mensagem ou um telefonema no meio do dia, chegar a casa e ter quem abraçar. Partilhar ideias, preocupações e projectos. Tomar banho juntos, fazer um jantar especial, dar as mãos no cinema.

Depois há o outro lado, as discussões, o trabalho que dá, ultrapassar obstáculos interiores e exteriores, negociar e renegociar tudo. Idealmente, tudo flui com naturalidade, mas na maior parte dos casos não é assim: o Amor exige uma disponibilidade psicológica enorme, de parte a parte. O mais fácil é que todos os esforços caiam por terra...

É frustrante dar tudo e acabar por esbarrar contra barreiras intransponíveis nos momentos mais vulneráveis. Tanto assim que muitos desistem de investir. A sofreguidão de que padecem cedo se torna em secura. Erguem-se as defesas, para não mais sofrer. Como se desistir dos sonhos fosse algo senão sofrer.

A vida é triste quando é condicionada pelo medo. Medo de ser assaltado, medo de falhar os objectivos, medo de sofrer... A cautela exige-se, mas quando esta manda matar os sonhos, castra do que mais importante há em nós. Gosto de realismo, mas não de resignação. Prefiro sofrer a tentar que fingir que não sinto. Cada um sabe de si, e há muitas formas de Amar... Mas quando para não sofrer se deixa de dar aquilo que se tem a dar, então, senhores, é crime!

A resignação é um crime, ou o caminho que leva à mesma é que o será. Não sei... Mas é feia e dói e não gosto dela. Recuso-me! A dor deve apenas servir para melhor apreciar as coisas boas da vida, nada mais!

Por isso mesmo, quero acreditar num Amor que não acaba. Amar como se não fosse sofrer, dançar como se ninguém estivesse a ver. E por isso, não consigo aceitar uma relação que saiba ter, à partida, os dias contados por algo que não o inevitável fim da vida. Nunca poderei dar o que tenho em mim, apenas será consolo, não Amor. E eu quero Amar, não quero ser consolado. Tenho tanto para dar, e tento saber receber, não me quero distrair com o acessório. É tudo ou nada, não quero o meio termo, nem quero crer que este é o único que posso ter. E acredito que, lá no fundo, somos todos assim. Por mais que disfarcemos com anos e anos de carapaças e defesas.

Queremos Amar e ser Amados, dar o que de melhor temos e receber o melhor de outra pessoa. Apenas dificultamos tudo quando nos anestesiamos.

Acrescentado mais tarde: Eu não preciso, para entrar numa relação, de ter a certeza de que esta seja para a vida. Isso não existe. Preciso é de ter uma esperança minimamente fundada de que aquela pessoa poderá construir comigo uma relação de Amor para o resto da vida.

Quadrúpedes humanos



Darwin sabia-a toda!

7.3.06

Realismo



Vale a pena entrar numa relação que se adivinha finita à partida? É melhor aproveitar a felicidade que a vida nos traz no momento ou compensa esperar por alguém que nos encha as medidas?

São as expectativas demasiado altas que nos privam ou as expectativas demasiado baixas que minam aquilo que realmente queremos e nos fazem aceitar algo bonzinho?

Quem tudo quer tudo perde/quem tem esperança sempre alcança: nem o povo se decide. Não há verdades universais.

Banda sonora deste texto: "It's got to be perfect... It's got to be perfect, so many people take second best, but I won't take anything less..."

Cyrano



Nunca li nada de nem sobre Cyrano. Mas desde que vi o filme - com o Gérard Depardieu - muito de raspão, nos intervalos de uma discussão ao telemóvel e em francês sem legendas, a personagem assalta-me a imaginação. Há algo entusiasmante em tudo o que não é consumado. Um quase nu tem sempre mais efeito que um nu integral.

Diz a wikipedia que o verdadeiro Cyrano não teria um nariz assim tão proeminente quanto isso. Seria possivelmente a sua homossexualidade que o obrigava a ser continuamente atacado. Assim como assim, prefiro a versão do gros nez e do amor imperturbável por uma Roxane que muito possivelmente nunca terá chegado a existir.

E ainda não sei como acaba a história...

6.3.06

Finlandeses



O nosso Sócrates foi à Finlândia. Diz que ficou impressionado com o sistema de ensino finlandês.

Que bom, agora é só fazer uns copy paste et voilà, temos um sistema de ensino todo modernaço, assim como um país do terceiro mundo com internet. Viva o progresso!

Os nossos políticos são especialistas em colocar remendos novos em tecido velho.

Dignidade

Diz que ainda não consegue deixar de falar comigo. Que precisa de o fazer até poder cortar contacto. Admite que me está a usar. Pergunto-lhe porque devo permitir que me desrespeite dessa forma. Responde que eu é que tenho de decidir, como se isso fosse algum tipo de resposta.

Nunca antes me tinha deixado pisar desta forma. Não há pedacinho da minha dignidade que não ostente as marcas das sapatilhas dele. A questão é que quando me meto uma, é até ao fim. Já nem é uma questão de ele merecer ou de eu aguentar. Desde há muito que apenas considero a melhor forma de o ajudar, independentemente dos custos para mim. Ao mesmo tempo, porém, tenho o dever - que tenho negligenciado - de ter respeito por mim mesmo.

A menos que ele me dê alguma chance, vou ter de assumir a ruptura total e absoluta. Que, já admitiu, é o que ele quer, a prazo. Quando lhe der jeito.

Sim, sou mesmo totó. Mas é uma questão de princípios (e, cada vez mais, de bom senso).

3.3.06

Ao cair do anoitecer



O ON desafiou-me para revelar quais as expressões ou palavras que mais me irritam. Na altura não me lembrei de uma que me tira verdadeiramente do sério: "at the end of the day".

É assim como uma espécie de advérbios de modo e outros auxiliares usados por cá (Portugal) quando alguns indígenas (eh eh) são entrevistados pela televisão e têm de encontrar muletas que substituam os habituais "alhos" e "dassss" com que pontuam os seus discursos: "pois, automaticamente, derivado que, a gente normalmente, como diz o povo...".

A diferença é que o "at the end of the day" é usado como muleta por gente que teria a obrigação de falar sem auxiliares desse género. Para além de ser tão contagioso que já se começam a ouvir traduções para português. Já imagino o Sócrates, com a ponta do dedo a aconchegar os óculos (que entretanto deve comprar) e a dizer "como diz o meu colega Tony Blair, at the end of the day, ou seja, no fim do dia, temos funcionários públicos a mais".

Very culto, sim senhor, chic a valer. De todo*! Eca!

* mais uma expressão que não me parece fazer sentido nenhum...

Amigos

Há amigos que é fácil tomar como garantidos, porque sabemos que aconteça o que acontecer, nada muda. Bom, até faz sentido tomá-los como garantidos, porque o são mesmo, e ainda bem! Isso não invalida é que de vez em quando se mande uma mensagem ou diga qualquer coisa, bem sei. Mea culpa, mas ando preguiçoso nessas coisas, e até mais frio, desde há uns meses. Está na minha lista de coisas a mudar. Peço paciência!

Este texto é dedicado àquela minha amiga que fez greve ao blog porque não queria ter de ficar sempre a saber as novidades só por este.

2.3.06

Memória de 2005



O pai do meu (então) namorado a entrar de rompante no combóio, com um ar ensandecido, para ver com quem é que o filho ia ao Algarve.

(ninguém merece... em particular, nem ele nem eu)

A origem dos preconceitos

É difícil explicar o porquê de tantos preconceitos relativamente à homossexualidade. Um preconceito, por o ser, não se desmonta apenas racionalmente, mas com tempo e persistência. Este, porém, parece estar tão fortemente enraizado que é razão suficiente para pais expulsarem os filhos das suas vidas, amigos deixarem de se falar ou até pessoas serem assassinadas.

Historicamente, períodos em que a homossexualidade foi tolerada alternaram com períodos de forte repressão. Sabe-se isso apesar de registos históricos terem sido sistematicamente "corrigidos", poemas homoeróticos sofrido alterações de géneros ou enciclopédias conterem ainda hoje mentiras deliberadas.

Há uma diferença fundamental entre os homossexuais e outros grupos que foram sendo perseguidos, como os judeus. No caso dos últimos, estes viviam em comunidades bem identificadas, e a sua história e cultura foi sempre sobrevivendo. Os homossexuais, porém, viviam "entre os outros", sem se agruparem em bairros específicos e sem facilidade de se identificarem entre si. Nunca existiram enquanto sociedade organizada, sendo que ainda hoje têm de redescobrir toda uma série de coisas por si. Não têm pais a ensinar-lhes as tradições do grupo, como os judeus. Foi assim sendo bem mais fácil apagar a história da homossexualidade, e fazer parecer a cada homossexual que está isolado e é uma aberração.

É duro quando se ouve que por aquele ser maricas, panasca, roto ou paneleiro, é por consequência depravado, primário, doente, pervertido. Ouve-se isso dos pais, dos amigos, dos irmãos. Basta aparecer uma parada de gay pride na televisão (que também reforça imenso os preconceitos) para que se ouçam desejos de mortes e torturas para todos os sodomitas. Depois vêm estatísticas a dizer que entre os adolescentes que se suicidam, uma enorme percentagem têm diferenças de orientação sexual. A escolha de não reprimir a sexualidade parece ter o custo de se ser um monstro. E depois, ainda há quem argumente que os homossexuais são doentes mentais dizendo que sofrem mais depressões e se suicidam mais que os demais. Up yours.

A solidão, a dor, a confusão, de quem assim descobre em si uma diferente orientação sexual são enormes. Quando os próprios familiares se referem (sem o saber, é certo) a eles como anormais, que consequências isso não terá?

A oportunidade histórica que surge agora para os homossexuais tem de ser agarrada com as duas mãos. Já antes houve períodos de abertura que culminaram em repressões ainda maiores, mas o processo agora parece ser irreversível. Sê-lo ou não passa por todos; terá alguém o direito a se calar quando outras pessoas, aliás racionais, debitam preconceitos como se nunca tivessem usado o cérebro?

1.3.06

Gripe das aves vs global warming




Diz aqui que detectaram a gripe das aves num gato, o que é naturalmente preocupante.

Por outro lado, li recentemente uma teoria segundo a qual a Peste Negra teve como consequência serem abandonados campos de cultivo, o que fez com que certos terrenos fossem naturalmente reflorestados. Resultado: As árvores absorveram mais CO2 e a temperatura global baixou em toda a Europa, provocando a chamada pequena era glaciar o que é atestado em quadros e relatos da época. Diz-se que o Tamisa chegou a congelar.

Fico sem saber se torcer por ou contra o raio da gripe. A longo prazo, o que será menos mau?

"Onde é que isto vai parar?"

Porque é que nas notícias os advogados, os empresários e os políticos são jovens até aos 35-40, as vítimas de acidentes rodoviários até aos 26-30 e os traficantes de droga e assaltantes a bombas de gasolina já são homens (é que nem rapazes) a partir dos 19?

Se é uma questão de inocência, aposto que há traficantes de droga bem mais impolutos que muitos futuros políticos aos 18 anos. Os últimos, pelo que vejo de dirigentes de associações de estudantes, despojaram-se já de ideais e vendem com cinismo a alma e as convicções pela obtenção futura de um lugar privilegiado. Estranha sorte a nossa, que vemos esta mole de gente sem espinha ou competências a arrastar-se pela mediocridade do ensino até à licenciatura aos 28 anos e um lugar garantido num gabinete ou numa embaixada.

Se calhar já era de ter algo como as Grandes Écoles. Sim, é elitista, mas prefiro ser governado por alguém com competência do que por pessoas que não apresentam mais que boa vontade (nas raras vezes em que o fazem). Não é amor por títulos ou a glorificação do conceito foleiro do senhor doutor; é de facto necessário formar quem vai mandar em nós. Claro que um sistema como as Grandes Écoles favorece cumplicidades e promiscuidades futuras entre os líderes que se fazem lá amigos, mas não poderia ser pior que a situação actual.