3.2.06

Casamento IV

Reflexões sobre o casamento homossexual:

Quanto à constitucionalidade da lei que reserva o casamento a casais heterossexuais, poderá não haver muito a apontar. Afinal, a lei é igual para todos. Qualquer homem se pode casar com qualquer mulher, independentemente das orientações sexuais dos mesmos. Não sou formado em Direito, mas suponho que se pode argumentar que deste ponto de vista não há discriminação. Os direitos são iguais para todos. Não são é equivalentes. Não sei que leitura farão os juristas de tudo isto, mas talvez seja mais uma questão de interpretar a letra ou o espírito da Constituição. Não sei que margem de manobra haverá, tanto num como no outro sentido.

Por outro lado, note-se que o casamento civil existia já antes do sacramento religioso. Os romanos e os outros também se casavam, antes de haver Igreja. Mais tarde, quando os Reis davam os filhos em casamento, não havia o pré-requisito de amor que é quase consensual exigir-se hoje. O divórcio, em certas sociedades admitido, depois deixou de ser, para voltar a ser novamente instituído para o casamento civil. Os conceitos mudam com os tempos, e querer dizer que isto que é agora foi sempre assim não é razão. Devemos é ver como deve ser, não como tem sido.
Os que defendem a pureza do conceito de casamento, das duas uma: ou têm valores, porventura religiosos, que há que respeitar mas que não têm direito a impôr, ou se não é isso são preconceituosos.

A homossexualidade não é natural, dizem uns. Se natural se refere à natureza, então os homossexuais são produtos de quem, se não da mesma? Suponho que também não é natural cortar o cabelo? Nunca vi nenhum animal fazê-lo... Este argumento é puro preconceito.

Outros dizem que se deve tratar de forma diferente o que é diferente. Os casais heterossexuais podem gerar descendência, os outros não. Muito bem, negue-se então direito a casamento a heterossexuais estéreis, também. Se esse é o critério, tudo o resto é discriminação. Vamos lá ver, os homossexuais pagam impostos como os outros? Então não deverão ter direitos equivalentes?
Se não se quer tratar de forma igual o que é diferente, ou seja, se se reconhece o direito à diferença, dêm-se direitos equivalentes, e não iguais. Ou seja, permita-se a um homossexual casar com alguém do mesmo sexo tal como se permite a um heterossexual casar com alguém do sexo oposto. Apenas isso é justo.

Muitos criticam que o que os homossexuais querem é ser aceites e impôr o seu ponto de vista. Ser aceite e impôr seja o que for é diferente. Eu aceito que alguém seja judeu, e defendo que tem todo o direito a sê-lo, mas não é por ele ir a uma sinagoga ou usar aquele pequeno adereço na cabeça que sinto que me está a impôr seja o que for. É óbvio e é natural que os homossexuais querem ser aceites. E também é óbvio, dada toda esta discussão ser sequer necessária, que sentem que ainda não são aceites.

Espero ainda um argumento aceitável contra o casamento homossexual.

10 comentários:

/me disse...

Cito do Abrupto:

"Já Foucault defendia que os homossexuais deviam aproveitar a situação em que se encontravam para construírem "relações outras", em que as relações de poder/resistência encontrassem novas dinâmicas. Poderiam assim criar transformar uma limitação que sobre eles pesava numa oportunidade mais ou menos revolucionária. A ideia é apelativa e tem muitos seguidores no seio do que hoje se chama "queer theory".

Mas nem todos os gays serão assim tão revolucionários. A maioria será até tão conservadora quanto aqueles que os cercam, pois é nessa comunidade que a sua felicidade é, ou não, possível. Não admira portanto que queiram aceder de pleno direito às mesmas instituições que lhes são apresentadas como normativas. Ora em Portugal ninguém quer aceder ao direito de ser poligâmico, pela simples razão de que esse direito não existe para ninguém, logo o princípio da igualdade não é violado.

(Octávio Gameiro)"

Sofia disse...

Não tendo a mínima intenção de opinar, por enquanto, queria só dizer que não existe homossexualidade nos animais. O que existe, são comportamentos lúdico-demonstrativos, relacionados com a manutenção de hierarquias. Comportamentos de pura dominância ou submissão. O que não invalida em nada, a razão que possa ter, relativamente à homossexualidade. Mas esse não é um argumento válido, /Me.

/me disse...

Não sei argumentar nesse campo. Como o que dizes me parece bem, vou editar o meu post e retirar esse meu argumento. Obrigado. :)

Sofia disse...

:) É um argumento bastante utilizado, no entanto. E haverá, com certeza, como em qualquer outra área, quem afirme que é válido, dentro da Etologia. O que eu penso, sobre este assunto, é que a simples liberdade de escolha é O argumento. Nem é necessário nenhum outro. O casamento civil, é um contrato. Duas pessoas amam-se, querem contratualizar a relação que as une, casam-se. Ponto final. Não é, mas deveria ser assim. A vontade de cada um, num assunto destes, não PODE ser, sequer, questionada. Muito menos, quando não prejudica ninguém. E mais ainda quando, pelo contrário, traz felicidade. Sobre o que motiva a homossexualidade e as questões relacionadas com a adopção por parte de casais constituidos por pessoas do mesmo sexo, tenho a minha opinião, que não passa disso mesmo - uma opinião -, que não me impede, de todo, de considerar que o casamento, fruto da vontade de duas pessoas que o desejam (e que se desejam) seja um direito inquestionável.

/me disse...

Concordo plenamente contigo, Sofia. :)
Ah, já agora, gosto bastante do nome do teu blog! Engenhoso. ;)

Manuel disse...

Cada vez gosto mais deste blog e cada vez percebo menos por que se chama "Minudências e lugares comuns"...:) O que é muito bom sinal.

/me disse...

Obrigado pelo elogio, Manuel! Pessoalmente, o que gosto é da interacção. Sinto-me muito lisonjeado com a atenção que este blog recebe, em quantidade mas acima de tudo em qualidade. :)

Sofia disse...

Eu também gosto do ser humano que te estás a revelar. :) O nome do blog... olha!, saiu-me. :))

Manolo Heredia disse...

Sofia,
A atracção física que dada pessoa tem por outra, a que damos o nome de "interesse sexual" é um tropismo que impele a pessoa a aproximar-se da outra para satisfazer o desejo de a acariciar, beijar, etc que são comportamentos associados ao acto sexual e que estão programados no código genético. É o tropismo para a reprodução. É natural, portanto. Assim como a fome provoca o tropismo para a procura de alimentos (um café ou um restaurante para satisfazer o desejo de comida).
Os tropismos e os mecanismos que os regem são um dos elementos essencial da Vida. Condicionam a capacidade de sobreviver até dos mais penos organismos vivos, como os virus ou as bactérias. E nós somos feitos por milhões desses pequenos seres vivos autónomos, que se alimentam, reproduzem e morrem, regidos por leis que não controlamos, a pesar de sermos feitos dessa matéria. O meu rim pode trabalhar no corpo de outra pessoa.
Alguns animais têm comportamentos homosexuais pela mesma razão que algumas as pessoas o têm: pequenos desvios nos mecanismos de tropismo, dada a muito pequena diferenciação que existe entre o corpo da macho e o da fémea.
O Amor é inexplicável. É uma "qualquer coisa no outro" que me atrai, e que no ponto de vista científico só pode ser feito de interpretação de sinais do outro que o identificam como "bom para ser meu parceiro na reprodução" (postura, cheiro, tacto, timbre da voz).
É frequente ver um cão macho copular outro cão macho. Isso acontece sempre que o 2º cão acabou de copular uma cadela, transportando nele o cheiro característico do Cio.

Sofia disse...

Manolo Heredia,
Antes de mais, muito obrigada por ter partilhado estas informações. :)
E agora, uma pergunta:
Quando um cão macho (para não falar numa fêmea, que pode ter o mesmo tipo de comportamento, e no entanto, não está geneticamente preparada para penetrar) tem o mesmo comportamento face à perna do dono, ou a outra perna qualquer, é o quê? Semelhança da perna com um cão fêmea?