10.2.06

A culpa é do Zé

Fui de novo desafiado. Um novo inquérito. Tinha-me prometido a mim mesmo não responder a mais nenhum, mas não posso dizer que não ao . Ele não merece uma desfeita dessas, bem pelo contrário. De qualquer modo, um aviso para o futuro: se mais alguém me faz uma sacanice destas, haverá choro e ranger de dentes.

Vou-me servir das perguntas do inquérito, mas o guião sou eu que o escrevo. Acedo a revelar um pouco sobre o autor deste blog, mas prefiro deixar o grosso à imaginação dos leitores. Confio na generosidade da mesma. Aqui vai, então.

Nasci numa das mais históricas cidades portuguesas. Encanta-me, a cidade, mas ao mesmo tempo diria que encarna o excesso de identidade português. Como que ficou para sempre conservado nas suas velhas ruas. Nisso, a arquitectura reflecte completamente a realidade, ou vice-versa, nunca souber perceber.

Conheci Portugal pelos olhos de uma criança, nas frequentes viagens que fazia. Cedo comecei a viajar para o estrangeiro, ignorando o conselho da minha professora primária, adepta incondicional do ir para fora cá dentro, até porque "sem conhecer todas as maravilhas de Portugal, para que vale a pena ir para o estrangeiro"? Não fazia grande sentido o ralhete, vindo da mesma pessoa que gabava o infante D. Pedro da "Ínclita Geração" por ser tão viajado. Mas nem a minha inteligência infantil captava a contradição, nem eu era assim tão viajado. Tenho saudades dessa professora que encontrava em Cavaco Silva o substituto do seu saudoso Salazar, que batia nos alunos pelo mais mínimo erro e que foi fundamental na minha educação.

Embora nunca tenha vivido na Espanha, em certo sentido é como se tivesse. De resto, morei um período breve na Itália, e encontro-me neste momento na Holanda. Já passei férias por toda a europa ocidental, mas nunca fui além disso. São as vantagens da livre circulação e as desvantagens da falta de tempo e disponibilidade. De qualquer forma, nisso estou como a minha professora da primária: ainda não apreciei o suficiente Paris ou Barcelona. Embora também nunca o consiga fazer tão plenamente até ter visto Tokio ou Lima (não sei porque me lembrei destas cidades... porque não Chihuahua? - para quem não sabe, fica no México).

Adoro a liberdade da Espanha, os gelados e as mulheres de Itália (infelizmente, as interessantes são quase todas feias) e as bicicletas da Holanda. Mas sou português e não consigo nem quero escapar a isso. A minha pátria é mais que a minha língua, é toda uma cultura e um punhado rectangular de terra. Gosto do estrangeiro, mas sei onde pertenço.

Quanto a empregos, trabalho na área das ciências exactas.

Gosto muito de ler e de ir ao cinema. Por culpa do Gerard Dépardieu, corri a comprar o livro O Conde de Monte Cristo, que continua a ser um dos meus favoritos, a par d'O Perfume, de Patrick Süskind. Não que alguma vez tenha relido estes livros; tal como os filmes, não gosto muito de repetir (salvo raras e honrosas excepções). De resto, leio bastante, mas com pouco mais critério que os pequenos textos na contra-capa. Sempre que tento cultivar-me com autores recomendados, acabo desiludido. Foi assim com Dostojevský, que me dava pesadelos. Melhor sorte teve Kafka, que encontrei numa prateleira no quarto do meu irmão, ao lado do Amor de Perdição que devorei para meu grande escândalo. Acho que os livros se lêm porque sim e não porque o autor ganhou um Nobel. Saramago está adiado até aprender a usar pontuação. A menos que me intrigue vê-lo numa prateleira inesperada.

Sou um esquisito para comer. Não imaginam o que a minha mãe me chateia. Não sabem a inveja que me faz quando alguém diz "se não queres, passas fome". O luxo... Bom, a bem dizer, até já tenho saudades das piores comidas da minha mãe. Das melhores, nem se fala. Ninguém lhes chega aos calcanhares.

Finalmente, se pudesse escolher, agora queria estar na minha caminha, em Portugal. Nunca encontrei um sítio onde dormisse melhor.

Quanto ao resto das perguntas, fica sem resposta. Acho que já não foi muito mau. Quanto às 4 pessoas a quem tinha o direito de passar este inquérito, por esta safam-se. Aproveitem, que não dura para sempre!

9 comentários:

Mr Fights disse...

afinal aquelas historias sobre a péssima comida da Holanda eram mais acerca de seres esquisito com a comida :p

Anónimo disse...

"Saramago está adiado até aprender a usar pontuação."

Finalmente alguém que me compreende! Oh alegria!
;-)

Nobody's Bitcho disse...

hmmm... interesting =P

Anónimo disse...

Caro /m:

A tua técnica é perfeita: No post anterior, ordenas-nos que nos calemos ( o que eu, obedientemente, fiz ); agora, que estamos sequiosos de comunicação, começas com confidências, para nos puxares a língua ...

Bom, se passo a vir aqui com regularidade, é natural que me apresente um pouco.

Este ano, tenho acumulação de serviço no 2º semestre, o tempo falta. Escreverei às pinguinhas, sempre em comentários neste post. Outros posts serão comentados nos comentários devidos.

Sou, de natural, um pouco gozão, mas acredita que não costumo mentir.

1a) Nasci num prédio na rua dos Lagares, à Mouraria, em Lisboa ( ainda não puseram a placa comemorativa ). No noite em que nasci - a última de 1950 -, no Largo das Olarias, um rufia anavalhou outro, até lhe saírem as tripas. Postas estas pelo próprio num prato de balança, o anavalhado seguiu para São José e safou-se. As lições são claras e têm-me seguido pela vida fora: "Enquanto há vida, há esperança" e "Não estejas à espera que os outros te safem".

1b) Nasci em Lisboa por acaso: meu pai e minha mãe tinham casado há pouco tempo e meu pai arranjou emprego em Lisboa. Poderia ter sido em qualquer outra cidade do país - ou do mundo.
Da banda de meu pai, é tudo judeus errantes e sem cheta. ( Quando vejo as caricaturas anti-semitas de judeus opados com dinheiro, fico sempre raivoso por não serem verdadeiras ).
Da banda de minha mãe, gentia, tudo igualmente não-recomendável e sem cheta: todos transmontanos, metade católicos, metade marranos, quase todos camponeses com pouca terra, alguns almocreves e bufarinheiros, alguns padres.
Sim, leste bem, padres. E não em galhos colaterais. Não: em linha recta ascendente.
Tenho, pois, origem em coitos danados. E aguardo a punição devida. "Eu sou um Deus ciumento, que castiga nos filhos os pecados dos pais até à terceira geração".

1c) Antes de continuar, quero pedir-te um pouco de compreensão e caridade. Tu, pelo que percebi, és católico, provavelmente com ascendentes todos católicos. O meu stock genético religioso, pelo que compreendes, é mais conflituoso. Alguns dos meus antepassados devem ter discriminado/perseguido/matado outros dos meus antepassados, tudo em nome d'Ele. Meu pai era, e minha mãe é, largamente indiferente em questões religiosas. Tudo isto contribuiu para que eu próprio estabilizasse numa grande bonomia na matéria. Não é indiferença, nem sincretismo. À falta de melhor, uso "bonomia". Claro, tive as minhas crises: cristão reformado aos 14, judeu - em sentido religioso - aos 30. Tudo isso passou.

1c) Porque te peço caridade? Culturalmente, considero-me, acima de qualquer outra coisa, um judeu. Ora os judeus têm uma história nada linear com o seu Deus. E, depois, conhecemo-nos há tanto tempo que nos permitimos liberdades que escandalizam conhecimentos mais recentes. O excerto do livro de Moisés que transcrevi era apresentado por Golda Meir como prova provada que os judeus tinham criado Deus à sua ( deles ) imagem e semelhança. Meu pai tinha um amigo cuja família tinha toda morrido no Holocausto. Sem deixar de ser religioso, zangou-se com Deus e nunca mais Lhe falou até morrer. Tu acharás isto de uma soberba inaceitável; eu acho admirável; julgo que a indignação com a Sua passividade e a censura a Deus são muito mais correctas que a resignação. Se o Deus de Abraão, Isaac e Jacob ( que é também o teu Deus ) existe - o que não creio -, estou convencido que o recebeu no Seu seio - mas só depois de lhe manifestar o Seu arrependimento e de lhe pedir o seu perdão. Nem o amigo de meu pai aceitaria noutras condições - um homem deve ser coerente para além da morte.
Eis porque peço a tua caridade. Compreenderás tu que eu pense assim e te escreva assim? Aceitarás corresponder-te com este Zé Ribeiro?
Eu não estou a brincar: preciso de saber a tua resposta.

( continua? )

Zé Ribeiro.
jribeiro@uevora.pt

/me disse...

Zé Ribeiro, parabéns por teres conseguido resistir a comentar o último "post". ;)

Obrigado pela tua apresentação. É bom que sejas gozão, não há nada como um pouco de humor... Teria sido evitada toda esta confusão dos "cartoons", se todos fossem assim.

Quanto aos teus antecedentes culturais, somos filhos da mesma cultura, não? A judaico-cristã. E, se calhar mais ainda, a greco-romana. Não sei o suficiente para argumentar nesta área. Atrevo-me a dizer que sim, que te compreendo sem grande esforço. Seja como for, se encontro conforto em falar com pessoas com a mesma linguagem que a minha, aprendo mais a falar com quem fala outras línguas. Que nem é tanto o teu caso, parece-me.

Explicito a resposta: claro que me dará prazer trocar ideias contigo!
Um abraço!

/me disse...

mr fights, apanhaste-me. :P

Anónimo disse...

Fico muito, muito satisfeito: não gosto nada de ofender os outros no que têm de mais identitário - mas não posso calar o que penso/sou.
Até breve.
Zé Ribeiro.

/me disse...

Zé, não fui convincente na ameaça do "choro e ranger de dentes"? :)

/me disse...

Ora, Zé, ora. :)