A leveza dos meus pensamentos não é capturável por palavras. São tão difusos, anestesiados, irreais, que dir-se-iam pertencerem a outra pessoa. É uma defesa, beber a dor pelo que ela é, sem valorizar muito. O que se sente é passageiro e vai-se aprendendo a dosear. Há pouco sentia euforia, que não reprimi. Agora estou no pico contrário mas sei-o controlar. A tristeza é como a febre. Mantida dentro de limites, é uma reacção natural ao mal que nos afecta. É redentora. Faz-nos olhar para nós. Para um espelho ou para o que é ainda mais nosso. Como as mãos. Não há algo mais nosso que as mãos: o rosto somos nós para os outros, as mãos é o que vemos sem reflexões ou simetrias. Junto a estas, os pulsos. As finas linhas azuis por debaixo da pele.
Revivo os tempos em que sentia fixação por facas. São tão frágeis, as linhas azuis. Sofria de uma tristeza tão absoluta. Como me fascinavam as linhas azuis. Tão tão frágeis. Ainda agora lhes toco, por debaixo do pulso, à vista de uma faca. São cicatrizes que ficam, suponho. O meu caminho não foi, não é, esse. A pele continua imaculada, só a alma foi cortada. São "sexy", os pulsos, beijo-os com carinho. Penso que ainda tenho muito a compensar-me pela forma como me tratei no passado. Pela forma como fui mau para mim mesmo. Por isso lambo as feridas, neste momento de tristeza. É uma lição de amor a mim mesmo. A prova que a história mais triste pode ter um final feliz. Como nos bons filmes, um final agridoce.
18.12.05
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