18.12.05

Amostra do novo capítulo I (ainda em fase inicial)

O frio da parede lembrava-o que estava vivo. Embalado pela tristeza da música, sentia em pleno a sua solidão. Dez voltas ao Sol e não tinha amigos para convidar. Pior, não tinha amigos. Eram tão superficiais, os miúdos da sua idade. Não sabiam o que era ser amigo. Ou se calhar ele é que era estranho. Queria tanto um amigo a quem pudesse dizer tudo, em quem pudesse confiar. Os outros não sentiam o mesmo? Não percebia, não dava para perceber.

Acumulava-se nele o desespero. Mais um ano assim, a sentir o mesmo. Desde quando o sentia? Não se lembrava de alguma vez se sentir bem, e porém enquanto bebé devia ter sido feliz. Os bebés são todos felizes, e a mãe sempre se tinha preocupado com ele. Mas não se lembrava de ser feliz, como via os outros. Ninguém sentia o mesmo que ele? Ninguém ansiava por algo, quase em desespero? O pior é que tinha dez anos, completava-os agora. Quantos lhe restariam? Com sorte poucos. No pior caso, setenta ou até oitenta. Sentir-se-ia assim toda a vida? Não sabia se era possível aguentar, parecia demais. Era criança, sabia que era suposto estar feliz. Porém, não estava.

As lágrimas silenciosas trepavam o lábio que lambia com algum alívio. Se chorar deixasse sulcos talvez percebessem o que sentia e se o dispusessem a ajudar... Tinha que ser feliz, todos achavam que era feliz. Mas aí estava, no seu décimo aniversário, sozinho e esquecido. Lembrara-se a mãe, mas tinha tido que trabalhar. Não podia pedir mais dela, sabia que o trabalho é importante. O que custava era ficar com o pai...

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