2.3.06

A origem dos preconceitos

É difícil explicar o porquê de tantos preconceitos relativamente à homossexualidade. Um preconceito, por o ser, não se desmonta apenas racionalmente, mas com tempo e persistência. Este, porém, parece estar tão fortemente enraizado que é razão suficiente para pais expulsarem os filhos das suas vidas, amigos deixarem de se falar ou até pessoas serem assassinadas.

Historicamente, períodos em que a homossexualidade foi tolerada alternaram com períodos de forte repressão. Sabe-se isso apesar de registos históricos terem sido sistematicamente "corrigidos", poemas homoeróticos sofrido alterações de géneros ou enciclopédias conterem ainda hoje mentiras deliberadas.

Há uma diferença fundamental entre os homossexuais e outros grupos que foram sendo perseguidos, como os judeus. No caso dos últimos, estes viviam em comunidades bem identificadas, e a sua história e cultura foi sempre sobrevivendo. Os homossexuais, porém, viviam "entre os outros", sem se agruparem em bairros específicos e sem facilidade de se identificarem entre si. Nunca existiram enquanto sociedade organizada, sendo que ainda hoje têm de redescobrir toda uma série de coisas por si. Não têm pais a ensinar-lhes as tradições do grupo, como os judeus. Foi assim sendo bem mais fácil apagar a história da homossexualidade, e fazer parecer a cada homossexual que está isolado e é uma aberração.

É duro quando se ouve que por aquele ser maricas, panasca, roto ou paneleiro, é por consequência depravado, primário, doente, pervertido. Ouve-se isso dos pais, dos amigos, dos irmãos. Basta aparecer uma parada de gay pride na televisão (que também reforça imenso os preconceitos) para que se ouçam desejos de mortes e torturas para todos os sodomitas. Depois vêm estatísticas a dizer que entre os adolescentes que se suicidam, uma enorme percentagem têm diferenças de orientação sexual. A escolha de não reprimir a sexualidade parece ter o custo de se ser um monstro. E depois, ainda há quem argumente que os homossexuais são doentes mentais dizendo que sofrem mais depressões e se suicidam mais que os demais. Up yours.

A solidão, a dor, a confusão, de quem assim descobre em si uma diferente orientação sexual são enormes. Quando os próprios familiares se referem (sem o saber, é certo) a eles como anormais, que consequências isso não terá?

A oportunidade histórica que surge agora para os homossexuais tem de ser agarrada com as duas mãos. Já antes houve períodos de abertura que culminaram em repressões ainda maiores, mas o processo agora parece ser irreversível. Sê-lo ou não passa por todos; terá alguém o direito a se calar quando outras pessoas, aliás racionais, debitam preconceitos como se nunca tivessem usado o cérebro?

17 comentários:

Orlando disse...

Caro /me, o problema dos homossexuais, dos judeus, dos cristãos (ao principio, na China dos nossos dias) é apenas um: são diferentes e estão em minoria. QUando passam de minoria a maioria, passam eles a oprimir os outros. Numa sociedade em que a maioria fosse homossexual, os heteros passariam um mau bocado. É por isso que eu prego muitas tolerancias (para com o aborto, por exemplo). Os pro aborto parecem estar de momento em minoria em Portugal. Embora se passe o contrario em quase toda a Europa que nós queremos copiar. Na Europa onde tu vives. Um case study interessante...

Anónimo disse...

A questão da homossexualidade é um bocadinho mais complicada. Trata com um tema que por si só é delicado, que é o tabú da sexualidade. Para o público hetero e machista, os gays encarnam o "complexo do macho penetrado", como disse alguma vez o Miguel Vale de Almeida. Para a aceitação da homossexualidade não se trata apenas de mudar a visão que a sociedade tem sobre um conceito isolado. É necessário trabalhar vários conceitos em conjunto, como o do amor, o sexo enquanto instrumento reprodutivo, o conceito de casal, de género, de normalidade...
Vivemos num mundo historicamente machista (e não existe nada mais artificial do que a construção identitária do "macho"!) e os conceitos criamo-los em binómios, contrapondo-os ao seu oposto: claro/escuro, bom/mau, bonito/feio, feminino/masculino... A esperança é que as novas gerações cresçam receptivas a uma realidade mais abrangente, em que o espaço entre cada pólo não seja de exclusão mas sim de riqueza, e que se valorize pela sua diversidade.

Enoch

PS: Que aconteceu quando o teu sogro entrou no comboio e te viu?? ;)

/me disse...

Enoch, eu concordo que se trata de um assunto bem delicado. :)

O meu sogrinho não me viu. O meu ex foi avisado à última mas a tempo que o pai tinha ido "inspeccionar" e saíu daquela carruagem. Eu sentei-me num outro lugar, ao pé de outras pessoas, para disfarçar. Mas ainda hoje me lembro da cara do homem. A raiva...

Anónimo disse...

§1 e §2:

Pelo contrário. É bastante fácil explicar a origem dos preconceitos para com a homossexualidade (e a sexualidade em geral). É uma construção cultural (e em particular, religiosa), fortemente enraizada na tradição judaico-cristã. Resulta da imposição da visão de alguns homens poderosos, como aliás acontece com os demais preconceitos de sociedades com sistemas autocráticos e patriarcais. No obscurantismo, sem mecanismos de auto-crítica, a homofobia grassou ao longo de gerações. E, tal como a verdade revelada das religiões, entranhou-se e tornou-se mais que um dogma — para muitos é uma repulsa visceral.

§3:

Concordo, mas numa perspectiva ateísta, se o último judeu morresse, desapareceria o Judaísmo, enquanto que continuariam a existir sempre homossexuais mesmo que o último desaparecesse da face da Terra. A religião de um indivíduo é transmitida pela tradição, enquanto que o comportamento homossexual tem uma componente genética inalienável. Por isso, não é adequado comparar dois grupos com uma diferença tão substancial. Até, porque, faz parte dos pilares ideológicos do primeiro grupo e, portanto, da sua praxis, a repulsa pelo segundo (homossexuais).

/me disse...

Claro que há diferenças entre judeus e homossexuais, aliás, a única coisa que fiz no meu texto foi mostrar uma dessas diferenças. Há porém uma semelhança clara: ambos os grupos foram perseguidos. Eu queria mostrar como não são questões paralelas.

Enoch, viste o primeiro link que coloquei? :)

Anónimo disse...

Hummm... Na verdade não... Escapou-me alguma coisa?? É que estou no trabalho, de forma que copiei os textos e enviei-os para o correio do Goowy para ler em casa.
Na verdade, quando te fiz este comentário foi com a intenção de responder ao On, mais do que a ti, já que ele colocava a questão da discriminação dos homossexuais ao mesmo nível de grupos religiosos como os judeus, por exemplo. A minha intenção era alertar para o que depois disse o Mindful, que estas questões tinham fundamentos diferentes. Mas estou de acordo contigo no sentido em que todos estes grupos partilham o mesmo problema da exclusão, da intolerância, da incompreensão...
Aliás, estou de acordo contigo em tudo - ECA! :)

Enoch

/me disse...

Enoch, gosto tanto que estejam de acordo comigo. :p
Tenho de te oferecer um chocolate, um dia destes. ;)

Quanto aos textos que copiaste, suponho que não tenham muito que não saibas. :) Mas acho-os interessante, e mostram como de facto a questão não é simples.

Anónimo disse...

Este tema suscita muitas opinioes e muitos pontos de vista. Primeiro porque cada um tem uma visao diferente da situação, pois depende da experiencia vivida das pessoas. A homossexualidade tal como a heterosexualidade fazem parte de um processo de desenvolvimento das pessoas, e nao um desvio ou deficiençia, todos nós esperimentamos de certa maneira a "homossexualidade", numa fase de crescimento chamada adolescência e isso não quer dizer que sejamos isto ou aquilo. O que eu quero dizer é que a sexualidade é um processo de descoberta, não so da pessoa em si, mas tambem do mundo. Existem varios tipos de sexualidades, quer na heterossexualidade, quer na homossexualidade. O grande problema chama-se estéreotipo, que desde cedo é incutido pela sociedade, e pelo qual todos se devem guiar, como se fosse o contributo de cada um, para a continuação e evoluação da espécie humana. Mas a reproduação humana não é apenas aquilo que leva á evoluação da espécie e sociedade. Se vivemos em sociedade, é obvio que temos de socializar e fazer por evoluir, cada um dá o seu contributo da maneira que pode, de acordo com as experiencias vividas.
As pessoas que não aceitam diferenças como estas, foram pessoas que preferiram não evoluir, e acomodaram-se á realidade em que vivem, onde saboream uma certa estabilidade (ilusória) A verdade é que andamos cá tomos e que tá cada um por sua conta, e cada um tenta-se safar da melhor maneira que pode ;))

Anónimo disse...

_

/me disse...

"acomodaram-se á realidade em que vivem, onde saboream uma certa estabilidade (ilusória)"

Ainda gostava de escrever um texto sobre esta estabilidade ilusória!!! É mesmo um ponto chave. :)

Tongzhi disse...

Concordo contigo e com o Big zz quando põe a tónica na "certa estabilidade (ilusória)".
Contudo, é uma "espada de dois gumes". Nem só os “outros” vivem num estabilidade ilusória, alguns de nós também vivem de forma acomodada e a tentar “gozar” dessa tal estabilidade

/me disse...

Obrigado, big zz!!!

Anónimo disse...

( De passagem rápida )

1) Muito bom post, especialmente os parágrafos 3, 4, 5.

2) Discordo fortemente da visão negativa ( efeito de reforço de preconceitos ) das gay pride parades: junto de certas pessoas, sim; junto de outras, não; mas o mais importante é o efeito junto dos closeted, que é muito positivo. Entendamo-nos: as minorias sexuais não querem que gostem delas ( o que é, aliás, impossível ); querem "só" que respeitem os seus direitos. Qd tiver tempo, voltarei a isto.

3) O primeiro link é muito, muito bom. Mas acho que sobrevaloriza a importância na génese da homofobia de umas obscuras tribos semitas nómadas de há 3800 anos. Qd tiver tempo, voltarei tb a isto.

( E fiz abreviaturas - o que nunca faço! Que, no outro mundo, apanhes com o castigo resevado aos sodomitas na Divina Comédia! )

'braço
Zé Ribeiro.

/me disse...

ZR,

fui novamente infeliz. Eu queria dizer que a televisão reforça os preconceitos (quase sempre que tem "gays" são figuras efeminadas), não as paradas de gay pride. Quanto a estas, também não me agradam, mas entendo o porquê das mesmas. Penso que podem ser úteis e contraproducentes ao mesmo tempo!
Um abraço.

Orlando disse...

Todos os perseguidos se acham mais perseguidos so que os outros...

/me disse...

On, nestas coisas, "size matters"? Acho menos importante a percepção que os "perseguidos" têm do que a realidade de serem todos perseguidos. Mais ou menos.

Sky, gostei de ler. :)

Anónimo disse...

\me, talvez por sorte (ou não) a primeira vez que assisti a uma gay pride foi em Madrid. Dessa vez, achei que aquilo era algo capaz, de facto, de não só reforçar como fomentar os preconceitos. De forma que fiquei ali a olhar, como se tudo aquilo me fosse algo estranho, algo do género, a minha luta é serena, não preciso disto. No ano seguinte os homossexuais podiam casar, em Espanha. Percebi que o preconceito era meu. E percebi que também é por aí que se desfazem os preconceitos. Nesse ano desfilei na marcha gay (prefiro chamar-lhe assim). Desfilei com os brasileiros (era o sítio mais divertido, lol!) ao som de um samba qualquer. Nesse ano desfilaram pessoas casadas, lado a lado, rumo à adopção. Julgo que ascende a um milhão, o número de pessoas que marcham pelas ruas. A assistir outros tantos, na maioria heterossexuais, que desta forma se tornam solidários. Ali não há insultos, aqueles já não são “paneleiros” para a maioria, a maioria já não se distingue, apesar de se saber clara. O insulto ali já morreu há alguns anos.

Não é que esteja, por exemplo, de acordo quanto ao casamento entre homossexuais no nosso país, para já não me faz sentido. É preciso mudar a mentalidade das pessoas, depois as leis, ou como tens lembrado ultimamente, mudar a educação, a reforma da lei só poderá vir depois. O exemplo espanhol é esse. Foram anos de reforma de “mentalidades” aqui ao lado; programas televisivos que colocavam o personagem gay como o mais giro da série e o mais interessante. Acabar com o preconceito, na minha opinião, passa muito por aí, acabar com o mito. A zona gay da cidade (lembro-me das primeiras vezes que ali fui) tornou-se a zona in para os heterossexuais. Agora é impossível arranjar um lugar para jantar sem marcação.

Ensinou-se o respeito como se ensina a tabuada. Com regra e medida.

AR